quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Edda: literatura nórdica. 12ª leitura: "Hávamál", Edda poética.

CARPEAUX havia dito que os germanos, “mesmo quando convertidos, não se convertem”: “Com efeito, os germanos não esqueceram”. E prossegue, explicando as raízes do paganismo germânico na mitologia e nas sagas nórdicas:

“O paganismo germânico tem vida mais tenaz entre a gente do Norte. Lá, produz uma literatura notável em língua islandesa. O seu monumento principal é a Edda, vasta compilação de canções mitológico-heroicas e poemas didáticos, estes últimos muito ao gosto dos germanos. Os poemas heróicos da Edda, como a Helgakvida, a Sigurdakvida, a Helreid Brynhildar e a Godrunarvida, foram outrora considerados como as fontes mais antigas da Nibelungensaga alemã; são, porém, versões posteriores da lenda semi-histórica dos germanos do Sul, adaptadas apenas ao espírito nórdico, que aparece nu e cru nos poemas mitológicos da Edda: Voeluspa, Balders draumar, Hávamál, Grimnismál, Voelundarkvida. Constituem verdadeiro compêndio da mitologia nórdica, de Odin, Thor, Frigg, Freyr, Loki, sem a mínima influência cristã, sem as atenuantes poéticas e subentendidos filosóficos, que o romantismo e Wagner introduziram nas suas versões anacrônicas. O mesmo estado de espírito informa a historiografia de Snorri Sturluson; a sua Heimskringla é uma coleção admirável das sagas históricas que se referem aos primeiros séculos da história noruego-islandesa.

As ‘sagas’ constituem uma literatura sui generis. São relatos rigorosamente históricos, às vezes biográficos, que ora tratam da biografia de uma família inteira, ora se limitam à autobiografia: Eyrbyggjasaga, Egilssaga, Grettissaga, Vapnfridngasaga e outras contam a vida dos conquistadores noruegueses da Islândia, a partir do século IX, as lutas sangrentas entre famílias inimigas e irmãos que se odeiam, as batalhas e os extermínios, os adultérios e as vinganças, a vida miserável dos proscritos, as aventuras além-mar, na Inglaterra e, mais tarde, até no Mediterrâneo, na Palestina, na Groenlândia. A Njálssaga, sobretudo, oferece um panorama completo dessa gente terrível. O estilo do relato é lacônico, abrupto como a linguagem deles. Não se sente a mínima influência do latim, fato que torna as sagas fenômeno único na literatura medieval. Aquela gente também não é cristã, embora batizada. Não dissimula as paixões violentas, os atos vergonhosos, nem sente remorsos. Do ponto de vista cristão, são monstros.

Os eclesiásticos sabiam de tudo isso. No século XI, o cônego e historiador Adamus de Bremen assusta-se com os germanos setentrionais: não conhecem pudor nem clemência nem arrependimento, a sua aparente ascese só serve para fortalecer o corpo. Até o seu famoso heroísmo é apenas egoísmo e ambição do poder, e a sua lealdade uma lenda; estão sempre dispostos a trair amigos e inimigos. E, apesar de tudo, o cônego devoto não dissimula certa admiração por esses monstros inconversíveis; ele mesmo também é germano. As suas observações constituiriam o melhor comentário moralista à vida e obra de Egil Skallagrimsson; viking violento, que esteve na Noruega e na Inglaterra, expulso e vitorioso, batido e indomável, cruel e nobre, avarento e infame, e um grande poeta. Escrevendo ‘lausar visur’, poemas em louvor de reis e guerreiros, não hesitou em prostituir, por dinheiro, a sua poesia. Em outras canções exulta com as suas conquistas eróticas, que mais se asssemelham a estupros, e as suas vitórias, que se parecem com assassínios. Mas era um amigo fiel e amava os seus, e, quando lhe morreu o filho, escreveu a admirável canção fúnebre ‘Sanatorrek’, furioso contra o injusto deus Odin e conformando-se com o destino, em resignação estoica. Nenhuma tradução para línguas modernas é capaz de exprimir a força primitiva dos versos finais, em que o poeta, de espírito indomável, espera a própria morte e – até – a eternidade do Inferno. [...] Pois Egil é o menos ‘europeu’ de todos os poetas da história literária europeia: reflete, nos seus poemas, uma primitivíssima economia, quase de silvícolas, e ignora o cristianismo.

O grande monumento dessa mentalidade é a historia dos dinamarqueses de Saxo Grammaticus. Chamaram-lhe ‘Grammaticus’ porque foi cônego da catedral de Roeskild e escreveu em latim. Com efeito, o núcleo da sua obra é a biografia do seu admirado arcebispo Absalon, biografia que constitui, hoje, o livro XIV dos Gesta Danorum; pois Saxo continuou a narração histórica além da morte do arcebispo, e, mais tarde, escreveu os 13 livros de introdução, da história antiga e lendária dos dinamarqueses. O latim da obra é duro, mas não bárbaro. Saxo pertence ao número dos humanistas do século XIII da estirpe de Johannes de Salisbury e Alexander de Hales; é o Lívio de sua nação. Como Lívio, inclui as lendas nacionais na sua história, não por credulidade, mas por orgulho. Todas as tradições do Norte lhe são familiares, inclusive as norueguesas; e entre os personagens pseudo-históricos aparece um pálido príncipe da Dinamarca, Amleth. O humanista também se revela nos metros antigos que empregou para traduzir as velhas canções. Só uma parte do tesouro comum da civilização daquele tempo foi completamente esquecida pelo cônego da catedral de Roeskilde: o cristianismo. O nome de Deus não aparece no Gesta Danorum".

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"Eis a gente que invadiu, a partir do século IX, o Ocidente, devastando-o de maneira impiedosa. Foi então que muitas instituições e monumentos da Antigüidade, já transformados em meros resíduos inúteis pela reagrarização, desapareceram. Foi então que se apagaram os últimos vestígios da vida urbana. Quando os habitantes voltaram para a Treves devastada, contentaram-se com barracas de madeira, colocadas sobre os restos dos muros romanos. Muitas cidades sobreviveram apenas como nomes de comarcas rurais. Criminosos, sectários e feiticeiros residiam nas ruínas do Forum Romanum, que a imaginação popular povoava com espectros e fantasmas, últimas encarnações dos deuses pagãos. Administração não havia; a usurpação dos senhores feudais era lei; famílias, castelos e aldeias fizeram guerras privadas; a Fehde ou feud – não existe palavra neolatina para designar o estado de guerra civil permanente entre os feudais – era fenômeno geral. A devastação moral não parou às portas da Igreja Romana, governada por assassinos e suas concubinas: a famosa ‘pornocracia’ romana do século X. A fome chegou a extremos do canibalismo”.

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Na pasta de arquivos online, há 3 Edda disponíveis, traduzidos: https://www.dropbox.com/home/Grupo%20de%20Estudo%20e%20Leitura%20dos%20Cl%C3%A1ssicos/2%C2%BA%20semestre%20(2015)/Scans%20e%20PDFs

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