Quanto à Canção de Rolando, CARPEAUX nos diz:
"Segundo a
opinião de certos críticos estrangeiros, os franceses exageram o valor da Chanson de Roland; a ‘geste’ não poderia comparar-se às
grandes epopeias populares das outras nações. Essa opinião não se justifica. É
verdade que a Chanson de Roland carece de arte consciente, de ‘poesia
feita’; mas as outras epopeias populares estão no mesmo caso. O valor dessas
produções reside na capacidade de representar uma nação, uma época. Com a nação
francesa dos tempos posteriores, nação de patriotas cristãos, a Chanson de
Roland pouco tem que ver. Roland e outros personagens revelam devoção cristã;
porém esta não é motivo da sua ação. E patriotismo, no sentido moderno, a Idade
Média não o conheceu.
A ‘Dulce France’, a palavra
chave do poema, só revela que o último redator do texto atual conhecia Virgílio,
mas o espírito da obra não é virgiliano. Os costumes que a epopeia apresenta
são um grande anacronismo; os guerreiros do século VIII aparecem como
cavaleiros feudais; está em contradição com isso o exagero, evidentemente
primitivo, das forças físicas e das façanhas corporais. Sentimentos mais
delicados não existem – além do forte sentimento de honra – e não há nenhum
vestígio de psicologia.
Mas, com isso, o poema está perfeitamente caracterizado. Os costumes
feudais e as expressões religiosas não passam de um verniz. A Chanson de
Roland representa a época em que os franceses estavam mal cristianizados,
e, por assim dizer, ainda não eram franceses. Eram francos. Assim como no Poema
de mío Cid castelhano subsiste espírito visigótico, e assim como no Nibelungenlied
alemão subsiste o espírito escandinavo, assim também a Chanson de
Roland pertence à época da transição entre a barbaria germânica e a
civilização francesa. A esta última deve simplesmente a existência. À
primeira deve a grandeza sombria das cenas mais famosas, da despedida de
Roland, e da sua morte.
A Chanson de Roland é, dentro da literatura francesa, como um
monumento que está tão distante de nós que mal se lhe enxergam os contornos; a
Idade Média considerava a epopeia como monumento do feudalismo valente, na luta
contra os infiéis, e o romantismo considerava-a como monumento do patriotismo
religioso. Na verdade, a Chanson de Roland é um dos grandes e um dos
mais fortes poemas bárbaros da literatura universal. Em toda a literatura
francesa posterior não existe, porém, tradição de barbaria, nem outra tradição épica
nem, por isso, outra grande epopeia".
***
Segue-se um
breve resumo da trama da Canção de
Rolando:
Carlos
Magno, imperador franco cristão, luta contra os sarracenos (mouros) há sete
anos na Espanha, mas uma praça ainda resiste: Saragoça, administrada pelo traiçoeiro
rei sarraceno Marsílio. Marsílio e os seus nobres, certos de que a derrota
é inevitável, desenvolvem um plano para ludibriar os francos. Enviados de
Marsílio prometem que ele será vassalo de Carlos Magno e que se converterá ao
Cristianismo, uma vez que o imperador tenha partido da Espanha. Mas o rei
sarraceno não pensa em concretizar o prometido: tudo não passa de um plano
rigorosamente elaborado de modo a fazer com que os francos saiam do seu
território.
Carlos Magno e os seus vassalos estão cansados da guerra e não confiam
na palavra de Marsílio. Entre eles estão o conde Rolando, sobrinho do rei,
Oliveiros, amigo de Rolando, e Ganelão, padrasto de Rolando.
Rolando aconselha a não confiar em Marsílio, enquanto Ganelão quer pôr termo à
guerra já. Os conselheiros do imperador decidem então enviar uma embaixada a
Saragoça, uma empreitada perigosa porque Marsílio já matou enviados anteriores.
Vários cavaleiros se oferecem, inclusive Rolando, mas o imperador não lhes
consente. Então Rolando sugere Ganelão como embaixador, e o rei concorda. Isso
aumenta o terrível ódio que Ganelão sente contra Rolando.
Ganelão viaja a Saragoça. Num tenso encontro com Marsílio, os dois
armam um plano para matar Rolando e os seus companheiros. Ganelão informa-os de
que poderão matar o conde quando os francos retornem ao seu reino, pois fará
com que Rolando esteja no comando da retaguarda. Ganelão promete aos sarracenos
que, com o sobrinho morto, Carlos Magno perderá o ânimo para lutar.
Ao retornar com os francos, Ganelão convence-os das boas intenções de
Marsílio e consegue que Rolando se converta no comandante da retaguarda. O
conde é acompanhado por vinte mil homens e pelos chamados doze pares de França,
os melhores cavaleiros francos. Entre estes estão Oliveiros, o grande amigo de
Rolando, e o Arcebispo Turpino, que além de religioso é um grande guerreiro.
No passo de Roncesvales, a retaguarda é vítima de uma emboscada, sendo
atacada por vários batalhões de sarracenos que ascendem, no total, a 400
milhares de homens. Oliveiros implora a Rolando que soe o olifante – uma trombeta
– para avisar as tropas de Carlos Magno, mas Rolando recusa-se a fazê-lo. Os
francos lutam valentemente; Rolando, com sua espada Durindana e seu cavalo
Vigilante, é o que derrota mais inimigos. Mas os sarracenos são muitos e não há
esperança para os cristãos. Quando já não há mais que sessenta francos,
Rolando, usando as suas últimas forças, finalmente toca o olifante, para que
Carlos Magno possa vir vingá-los. Oliveiros repreende-o pela sua arrogância:
por não ter tocado antes o olifante, morrerão todos os nobres cavaleiros da
retaguarda.
Finalmente morrem todos os francos. A alma de Rolando é levada ao céu
por anjos e santos.
Carlos Magno e os seus homens, ao chegar, chocam-se com a visão do
massacre. Ocorre então um milagre: o sol deixa de girar no céu, impedindo que
anoiteça, e assim os sarracenos não podem esconder-se na escuridão. O exército
franco persegue os infiéis até ao rio Ebro. Os que não morrem pela espada
acabam por perecer afogados no rio.
Marsílio retorna a Saragoça, onde o ânimo dos muçulmanos é fraco. A sua
mão direita foi decepada por Rolando durante a batalha. Baligante, poderoso
emir da Babilônia, vem socorrer o seu vassalo. Em Roncesvales, onde os francos
enterram e lamentam os seus mortos, ocorre uma batalha entre as forças do emir
e dos francos. O clímax da luta é um combate entre Baligante e Carlos Magno em
que, com ajuda divina, o rei franco derrota o emir. O exército franco toma
Saragoça, destruindo todos os itens religiosos islâmicos e judaicos da cidade.
Todos os habitantes da cidade devem então se converter ao catolicismo, exceto a
rainha Bramimonda, que é levada ao país dos francos, para que aceite
espontaneamente o cristianismo.
Em Aquisgrão, a capital dos francos, começa o julgamento de Ganelão.
Pinabel, eloqüente parente de Ganelão, convence os jurados de que o réu traiu
Rolando mas não o seu senhor, Carlos Magno. Thierry, um corajoso mas débil
cavaleiro, argumenta que trair Rolando foi o mesmo que trair o rei, e desafia
Pinabel a um combate. Durante a luta, com intervenção divina, Thierry vence.
Ganelão é executado cruelmente: cada um dos seus braços e pernas são atados a
um cavalo, que puxam cada um numa direção e assim o seu corpo é esquartejado.
Outros parentes de Ganelão, que tinham ficado do seu lado na disputa, são também
executados.
Bramimonda aceita o cristianismo e é batizada, e tudo parece estar
finalmente em paz. Mas, durante a noite, aparece a Carlos Magno o anjo Gabriel
num sonho, anunciando que deve partir para mais uma guerra contra os pagãos.
Triste e cansado, mas obediente, Carlos Magno prepara-se para mais batalhas.
***
Na pasta de arquivos online, encontra-se um PDF d'A Canção de Rolando traduzida: https://www.dropbox.com/home/Grupo%20de%20Estudo%20e%20Leitura%20dos%20Cl%C3%A1ssicos/2%C2%BA%20semestre%20(2015)/Scans%20e%20PDFs
admirável seu blog!
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