quinta-feira, 22 de outubro de 2015

"El Cid".

CARPEAUX havia dito que as três primeiras criações importantes das literaturas nacionais européias foram a Canção de Rolando, o Poema de mío Cid e a saga do Nibelungenlied. Segundo ele, de acordo com as teorias mais definitivas e prováveis quanto à origem dessas epopéias, canções populares formaram a base dessas narrativas, que depois foram agrupadas e arranjadas por alguém já em forma de romance (no sentido espanhol do termo).

A Canção de Rolando é produto certo da geste de Charlemagne, conjunto de histórias sobre o grande Rei e Imperador franco; unindo-se a ela estão o Poema de mío Cid e o Nibelungelied, que, no entanto, CARPEAUX não atribui diretamente a nenhum dos três ciclos de epopéia medieval – parecem ter surgido “isoladamente”, de outras fontes. Sobre o Poema de mío Cid, CARPEAUX nos diz o seguinte:

“Ruy Díaz de Vivar, herói de lutas dos espanhóis contra os árabes, e de outras lutas de senhor feudal contra o seu rei, morreu em 1099; o Poema de mío Cid foi redigido por volta de 1140, isto é, imediatamente após os acontecimentos. Esse fato explica a exatidão geográfico-histórica do poema. Ao passo que na Chanson de Roland os acontecimentos históricos se transformam em façanhas sobre-humanas e a geografia é fabulosa, é possível acompanhar o Cid no mapa e nos anais. Tudo está certo, e [o teórico] Menéndez Pidal pôde estabelecer a relação mais íntima entre a epopéia e, por outro lado, a história e a sociedade espanholas do século XI.

Contudo, o Poema de mío Cid não é uma crônica ritmada. É – o que a Chanson de Roland não é – uma obra de arte, intencionalmente feita, da qual [o teórico] Dámaso Alonso pôde analisar o estilo. Não se compõe de ‘cantilènes’ anteriores, mas está dividido em três partes bem distintas, em composição simétrica: o conflito do herói com o poder real, e o seu desterro; o casamento das suas filhas com os infantes de Carrión; e a ação do Cid contra os genros covardes e traidores.

O que a imaginação popular considera como assunto principal do poema – a luta contra os árabes e a conquista de Valência – é apenas a conseqüência do seu desterro, e fica reduzido, à luz da análise da composição, a valor episódico. Resta explicar o forte acento patriótico-religioso da epopeia, no sentido do ‘patriotismo’ medieval. Menéndez Pidal afirma, com toda a razão, o fundo germânico, visigótico, da inspiração do poema. Não é possível, porém, negar a influência francesa.

A literatura francesa é a mais poderosa entre as medievais, irradiando influências por toda a parte. Assim como o exemplo da ‘geste de Charlemagne’ inspirou Geoffrey de Monmouth na transformação de confusas lendas célticas em romances de cavalaria feudal, assim a Chanson de Roland inspirou a um anônimo de Medinaceli [possível autor do poema] a idéia de cantar o Cid como herói da guerra nacional contra os infiéis. Nesse sentido, o Poema de mío Cid é uma ‘geste’; mas é uma gesta espanhola, ou antes – mais exatamente – uma gesta castelhana, ‘dura e sólida como os muros românicos de Ávila’.

O Cid do poema não tem nada de bravura romântica que a imaginação dos povos do norte dos Pirineus acredita encontrar na Espanha. É um castelhano sóbrio, leal, mas com vontade indomável de independência pessoal, com forte senso de justiça, cruel e violento às vezes, capaz de elevações sublimes, mas desconfiado e avarento como um camponês da sua terra. O poema está escrito como se o próprio Cid o tivesse feito: com realismo sóbrio, sem intervenção de forças sobrenaturais, e principalmente sem retórica.

‘De Castiella la gentil exidos somos acá,
Si con moros non lidiáremos, no nos darán el pan’.

Eis a chave do poema: o Cid luta contra os árabes para ganhar o pão, a vida, porque está desterrado. Em primeiro plano, é ele o revoltado feudal contra o rei, o primeiro revolucionário espanhol; por isso é intensamente popular, por isso têm ele e o seu poema todos os traços característicos do homem castelhano e da sua natureza. Mas o ambiente em que o poema foi redigido era o da Chanson de Roland, do feudalismo de cruzados. Deste modo, o herói popular transformou-se em herói nacional e herói de cruzada.

Assim como na Chanson de Roland, influências ‘clericais’, quer dizer, dos clérigos, transfiguraram as virtudes pouco cristãs do herói bárbaro. Roland e o Cid representam fases da cristianização pelas quais Egil Skallagrimsson nunca passara. A memória popular, porém, acertou bem: o Cid é a encarnação do caráter espanhol antigo, e o seu poema é o monumento mais notável – e mais antigo – da literatura espanhola”.

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Segue um breve resumo da trama do Poema de mío Cid:

A história pode ser dividida em três partes.

Na primeira parte – Cantar del destierro –, que vai dos versos 1 a 1084, conta-se a história do desterro de Rodrigo Diaz de Vivar. Ele foi exilado de Castilla, sua terra natal, pelo Rei Alfonso VI, acusado de roubo. Deve então abandonar sua esposa e suas filhas, que deixa sob os cuidados do abade do monastério de San Pedro de Cardeña. Ele inicia uma campanha militar, junto de seus fieis escudeiros, por terras não cristãs, e a cada vitória ele envia ao Rei que o exilou um presente, no intuito de conseguir dele seu perdão.

Na segunda parte da epopéia – Cantar de las bodas –, que vai dos versos 1085 a 2277, conta-se como o Campeador Rodrigo dirige-se a Valencia, terra tomada pelos mouros, e consegue conquistar a cidade. Então ele envia seu braço direito, Álvar Fáñez, com mais presentes para o Rei, e manda-o pedir ao Rei que permitisse que ele revesse sua família em Valencia. O Rei aceita o pedido e inclusive perdoa finalmente o exilado e suspende a punição que pesava sobre o cavaleiro e seus homens. Como recompensa ao Cid, suas filhas deveriam se casar com os príncipes de Carrión, e assim se elevariam à condição de nobres. O Rei pede que Rodrigo aceite essa condição, e ele aceita, ainda que não confiasse muito nos príncipes. As bodas são celebradas solenemente.

Na terceira e última parte do poema – Cantar de la afrenta de Corpes –, que vai dos versos 2278 a 3730, os príncipes revelam sua covardia e baixeza, fugindo da luta contra os árabes. Sentindo-se humilhados, decidem se vingar: empreendem uma viagem a Carrión com suas esposas e, ao chegar ao rochedo de Corpes, amarram-nas e as abandonam lá, desfalecendo. O Cid, ao saber-se assim desonrado, pede justiça ao Rei. Tudo culmina num duelo entre os soldados do Cid e os dos príncipes, do qual saem vencedores os do Cid. Os outros caem desonrados e os casamentos são anulados. A história então termina com a perspectiva de que as filhas de Rodrigo, o Cid, logo se casariam com os príncipes de Navarra e Aragón.

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Na falta de uma tradução portuguesa completa, há alguns links na internet que são úteis para compreender a história:

-- Filme “El Cid” (1961), com Charlton Heston e Sofia Loren, completo, em inglês, sem legendas: https://www.youtube.com/watch?v=LtuvHew1zi4

-- Vídeo de apresentação e contextualização do poema, em espanhol: https://www.youtube.com/watch?v=luJ42ikTcgQ

-- Vídeo com o resumo da trama, em espanhol: https://www.youtube.com/watch?v=hJ5AfNTA1qY

-- Artigo da Wikipedia espanhola sobre o poema: https://es.wikipedia.org/wiki/Cantar_de_mio_Cid

-- Tradução brasileira dos 190 primeiros versos da história (por María de la Concepción Piñero Valverde): http://hottopos.com/notand3/miocid.htm

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