quinta-feira, 14 de maio de 2015

Um salto para dois resgates: Plauto e Terêncio

Anteriormente, em meio às análises dos escritos gregos, CARPEAUX havia falado sobre dois autores romanos, dramaturgos cômicos que muito se ligavam às maneiras gregas de se fazer comédia: Plauto e Terêncio. Eis o que deles diz Carpeaux:

“[A] ‘comédia nova’ [cujo expoente grego é o dramaturgo Menandro] revela-se bem viva e permanente em Plauto e Terêncio, seus representantes latinos.

Mas se Plauto só fosse o reflexo romano de Menandro, não seria o primeiro comediógrafo, no sentido cronológico e talvez no sentido do valor também. O seu mundo é o das pequenas cidades mediterrâneas de então: comércio florescente, burgueses imbecis, pais avarentos, filhos devassos ou tímidos, escravos astutos e pérfidos, escravas ternas ou espertas, parasitos indolentes, sargentos grosseiros. É o pequeno mundo grego. Mas Plauto sabia romanizá-lo e latinizá-lo até à perfeição. Os seus pais são ‘nobres senadores’, os filhos graeculi, já contaminados pela civilização estrangeira, os escravos são simplesmente plebeus que vencem o patrão pelo bom senso do homem da rua. A comédia de Plauto já não pertence à civilização grega, e sim à romana, que gerou a latina moderna e por isso está incomparavelmente mais perto de nós; a atmosfera plautina volta sempre na história do teatro europeu. Do Anfitrião de Plauto contam-se, através de Camões, Molière, Dryden e Kleist, até Giraudoux, 38 versões. Euclion, o herói da Aulularia, volta no Harpagão de Molière. As estranhas aventuras dos Menaechmi, gêmeos parecidos até à confusão, ressuscitam em A Comédia dos Erros, de Shakespeare, e em mais de 38 versos, assim como o imortal Miles Gloriosus, o sargento grosseiro e fanfarrão. A paixão de pai e filho pela mesma moça, na Casina, inspira a Clizia de Maquiavel e inúmeras farsas francesas. Os personagens de Plauto vivem nos Pantalone e Tartaglia, capitano Spaventa, Arlequim e Colombina da ‘commedia dell’arte’. Dos temas de Plauto vive todo o nosso teatro popular. Plauto é um dos autores mais influentes da literatura universal.

O seu teatro é popular; quer fazer rir as massas, e consegue o seu fim, porque Plauto é um sabidíssimo profissional da cena, o criador de todas as intrigas e complicações burlescas para todos os tempos: um gênio do palco. Fala a língua do povo, não a dos literatos, ao ponto de criar as maiores dificuldades aos nossos filólogos, acostumados à fala ciceroniana. Ao mesmo tempo, esse gênio da gíria dispõe de inesperada riqueza de metros complicados, de modo que a relação entre o verso plautino e a poesia grega constitui objeto de estudos importantes; e esses estudos revelam o terceiro gênio de Plauto, o seu gênio poético, lírico. Plauto sabe cantar, e por isso, mais do que pelos temas, o comediógrafo romano pertence à literatura grega. As suas variações métricas assemelham-se a modulações musicais; talvez os seus entremezes líricos fossem realmente cantados, e as suas comédias tivessem sido espécie de óperas-cômicas; vaudevilles que sobreviveram à temporada e a todos os tempos”.

“A glória universal de Terêncio é pouco menor: mas perturba menos os filólogos, que o preferem por muitos motivos. O parasito no Formio é mais decente que os parasitos plautinos; e quando Chaereas, no Eunuchus, se disfarça em castrado para poder aproximar-se de Pamphila, tudo acontece de maneira tão discreta que um leitor ingênuo não chega a compreender a situação. Plauto, tratando um assunto assim, teria soltado gargalhadas; Terêncio fala como o ‘epistolário universal dos enamorados’ e o seu latim é muito bom. Por tudo isso, Terêncio é, desde os conventos beneditinos da época de Carlos Magno até os colégios humanísticos dos jesuítas e jansenistas, o autor preferido da escola. E também é o preferido daquela escola de adultos que é o salão literário: Terêncio sabe dizer tudo em tom de conversa polida; transforma as obscenidades plautinas em problemas psicológicos sérios, discutindo, nos Adelphoi, se a educação dos filhos deve ser severa, para impedir excessos, ou indulgente, para acostumar às exigências da vida – é o tema das duas ‘Écoles’ de Molière. De maneira semelhante, a misantropia de Menedemus, no Heautontimoroumenos, preludia as expectorações de Alceste. Terêncio é o comediógrafo da aristocracia romana, quando já bastante grecizada. É mesmo um graeculus. O seu método de trabalho lembra os comediógrafos ingleses do século XIX, que adaptaram as peças parisienses de Augier e Dumas Filho para o gosto da burguesia vitoriana. Cria a intriga complicada e explica-a pela boca do escravo inteligente, precursor do raisonneur da comédia francesa. Tudo é verossímil, realista, mas também polido e – em certo sentido – mais humano do que em Plauto. Porque, em Terêncio, verdade e humanidade são idênticas. Foi esse comediógrafo romano quem criou o lema do humanismo grego: ‘Homo sum; humani nihil a me alienum puto’ [Sou um homem; nada que é humano me é estranho]. É pena que Terêncio já não seja lido nas escolas”.

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