Anteriormente, em meio às análises dos escritos gregos, CARPEAUX havia falado sobre
dois autores romanos, dramaturgos cômicos que muito se ligavam às maneiras
gregas de se fazer comédia: Plauto e
Terêncio. Eis o que deles diz
Carpeaux:
“[A]
‘comédia nova’ [cujo expoente grego é o dramaturgo Menandro] revela-se
bem viva e permanente em Plauto e Terêncio, seus representantes latinos.
Mas se Plauto só fosse o reflexo romano de Menandro, não seria o primeiro
comediógrafo, no sentido cronológico e talvez no sentido do valor também. O seu
mundo é o das pequenas cidades mediterrâneas de então: comércio florescente,
burgueses imbecis, pais avarentos, filhos devassos ou tímidos, escravos astutos
e pérfidos, escravas ternas ou espertas, parasitos indolentes, sargentos
grosseiros. É o pequeno mundo grego. Mas Plauto sabia romanizá-lo e latinizá-lo
até à perfeição. Os seus pais são ‘nobres senadores’, os filhos graeculi,
já contaminados pela civilização estrangeira, os escravos são simplesmente
plebeus que vencem o patrão pelo bom senso do homem da rua. A comédia de Plauto
já não pertence à civilização grega, e sim à romana, que gerou a latina moderna
e por isso está incomparavelmente mais perto de nós; a atmosfera plautina volta
sempre na história do teatro europeu. Do Anfitrião de Plauto contam-se,
através de Camões, Molière, Dryden e Kleist, até Giraudoux, 38 versões.
Euclion, o herói da Aulularia, volta no Harpagão de Molière. As
estranhas aventuras dos Menaechmi, gêmeos parecidos até à confusão,
ressuscitam em A Comédia dos Erros, de Shakespeare, e em mais de 38
versos, assim como o imortal Miles Gloriosus, o sargento grosseiro e
fanfarrão. A paixão de pai e filho pela mesma moça, na Casina, inspira a
Clizia de Maquiavel e inúmeras farsas francesas. Os personagens de
Plauto vivem nos Pantalone e Tartaglia, capitano Spaventa, Arlequim e Colombina
da ‘commedia dell’arte’. Dos temas de Plauto vive todo o nosso teatro popular.
Plauto é um dos autores mais influentes da literatura universal.
O seu teatro é popular; quer fazer
rir as massas, e consegue o seu fim, porque Plauto é um sabidíssimo
profissional da cena, o criador de todas as intrigas e complicações burlescas
para todos os tempos: um gênio do palco. Fala a língua do povo, não a dos
literatos, ao ponto de criar as maiores dificuldades aos nossos filólogos,
acostumados à fala ciceroniana. Ao mesmo tempo, esse gênio da gíria dispõe
de inesperada riqueza de metros complicados, de modo que a relação entre o
verso plautino e a poesia grega constitui objeto de estudos importantes; e
esses estudos revelam o terceiro gênio de Plauto, o seu gênio poético, lírico.
Plauto sabe cantar, e por isso, mais do que pelos temas, o comediógrafo romano
pertence à literatura grega. As suas variações métricas assemelham-se a modulações
musicais; talvez os seus entremezes líricos fossem realmente cantados, e as
suas comédias tivessem sido espécie de óperas-cômicas; vaudevilles que
sobreviveram à temporada e a todos os tempos”.
“A
glória universal de Terêncio é pouco
menor: mas perturba menos os filólogos, que o preferem por muitos motivos. O
parasito no Formio é mais decente que os parasitos plautinos; e quando
Chaereas, no Eunuchus, se disfarça em castrado para poder aproximar-se
de Pamphila, tudo acontece de maneira tão discreta que um leitor ingênuo não
chega a compreender a situação. Plauto, tratando um assunto assim, teria
soltado gargalhadas; Terêncio fala como o ‘epistolário universal dos enamorados’
e o seu latim é muito bom. Por tudo isso, Terêncio é, desde os conventos beneditinos
da época de Carlos Magno até os colégios humanísticos dos jesuítas e
jansenistas, o autor preferido da escola. E também é o preferido daquela
escola de adultos que é o salão literário: Terêncio sabe dizer tudo em tom de
conversa polida; transforma as obscenidades plautinas em problemas psicológicos
sérios, discutindo, nos Adelphoi, se a educação dos filhos deve ser severa,
para impedir excessos, ou indulgente, para acostumar às exigências da vida – é o
tema das duas ‘Écoles’ de Molière. De maneira semelhante, a misantropia de
Menedemus, no Heautontimoroumenos, preludia as expectorações de Alceste.
Terêncio é o comediógrafo da aristocracia romana, quando já bastante grecizada.
É mesmo um graeculus. O seu método de trabalho lembra os comediógrafos
ingleses do século XIX, que adaptaram as peças parisienses de Augier e Dumas
Filho para o gosto da burguesia vitoriana. Cria a intriga complicada e
explica-a pela boca do escravo inteligente, precursor do raisonneur da
comédia francesa. Tudo é verossímil, realista, mas também polido e – em certo
sentido – mais humano do que em Plauto. Porque, em Terêncio, verdade e
humanidade são idênticas. Foi esse comediógrafo romano quem criou o lema do
humanismo grego: ‘Homo sum; humani nihil
a me alienum puto’ [Sou um homem; nada que é humano me é estranho]. É pena
que Terêncio já não seja lido nas escolas”.
***
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