quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Conclusões sobre o universalismo cristão.

Concluindo a questão da literatura dos goliardos e caminhando para o fim do capítulo, CARPEAUX diz:

“A literatura antiascética é mais do que um sintoma de decadência moral. É preciso rever o conceito convencional ‘Idade Média’. Com efeito, a expressão já serve apenas para fins de classificação simplista.

Um dos criadores do conceito ‘Idade Média’ é o próprio goliardo. Foram as sátiras e queixas incessantes contra o clero corrompido que contribuíram para abolir o esquema historiográfico dos Padres da Igreja: o binômio Paganismo – Cristianismo. Desde os cluniacenses e cistercienses fala-se em ‘renovatio’ da Igreja e em volta à pureza da Igreja primitiva. ‘Renovatio’ é também o lema das diversas ‘renascenças’, quer dizer, ‘renovatio’ dos estudos clássicos. E quando, no século XVI, as duas ‘renovationes’ se encontraram, o Humanismo e a Reforma, então toda a era entre o fim do paganismo e da Igreja primitiva e, por outro lado, a renovação da Igreja e das escolas, pareceu época intermediária, eclipse temporário do Espírito Santo e do espírito humano. Esse conceito tornou-se até dogma: para os protestantes, é o dogma do ‘Anticristo em Roma’; para os humanistas e os seus sucessores, os livres-pensadores, é o dogma do Progresso. A história apresenta-se como esquema tripartido: entre o brilho da Antiguidade e da Igreja primitiva e o novo brilho do Humanismo e da Igreja reformada, há a ‘Idade Média’ escura. Um historiador de terceira ordem, do século XVII, Cellarius, introduziu a expressão dos manuais. Outro, Robertson, inventou a expressão ‘Dark Ages’. Afinal, os próprios ‘medievalistas’ conformaram-se com o termo.

O romantismo, tão apaixonado pela ‘Idade Média’, não conseguiu abolir o erro, porque esse mesmo erro estava no conceito dos próprios românticos. Tacitamente, aceitaram o esquema tripartido, apenas invertendo os valores: a época moderna apareceu-lhes como fase de corrupção política e religiosa, e a ‘Idade Média’ como idade áurea da monarquia feudal e da Igreja ortodoxa. O ‘medievalismo’ é progressismo às avessas.
            
O estudo das ‘renascenças medievais’ abriu as primeiras brechas. Troeltsch chamou a atenção para a relatividade do ideal ascético e para as concessões da Igreja ao espírito profano. Brinckmann já distinguiu dois tipos do homem medieval: o idealista ascético e o leigo realista. Afinal, a civilização medieval é um fenômeno muito complexo; não é possível defini-la numa frase só. Ao lado da mentalidade eclesiástica, há a mentalidade leiga dos cavaleiros; ao lado da civilização feudal, há a civilização burguesa. E tudo isto não se encontra em equilíbrio estático, como a equação ‘Catedral – Summa’ afirmou, mas em evolução viva e multiforme.

            
A solução teórica do problema talvez esteja na distinção mais exata dos termos símbolo e alegoria, que se empregam, indistintamente, na equação ‘Catedral – Summa’. O símbolo é expressão artística do que é inefável; a alegoria é representação intelectual do que é compreensível. A Catedral é um símbolo. A Summa é um conjunto de alegorias. A ‘Idade Média’ está entre esses dois polos, oscilando, evoluindo, e enfim dissolvendo-se. Existe até uma grande figura na qual os dois termos se encontram: Raimundus Lullus, o santo da Catalunha”.

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