quinta-feira, 16 de abril de 2015

O teatro grego e os grandes dramaturgos

Ésquilo, Eurípedes, Aristófanes e Sófocles são os grandes nomes da dramaturgia grega. Sobre eles e sobre o teatro grego da antigüidade, CARPEAUX nos diz:

“O teatro grego é de origem religiosa; nunca houve dúvidas a esse respeito. As tragédias – e, em certo sentido, também as comédias – foram representadas assim como se realizam festas litúrgicas. Mas quanto à liturgia que teria sido a base histórica do teatro grego, ainda não se chegou a teses definitivamente estabelecidas. As pesquisas da escola antropológica de Cambridge parecem ter confirmado, embora precisando-o, o que sempre se soube: a tragédia grega nasceu de atos litúrgicos do culto do Dioniso. [...] Podemos continuar adotando a intuição genial de Nietzsche: a tragédia grega é a transformação apolínea de ritos dionisíacos.

[...] o único conteúdo possível da tragédia grega era o mito, fornecido pela tradição; enredos inventados pela imaginação do dramaturgo, que enchem os nossos repertórios, estavam excluídos. Tratava-se de interpretações e reinterpretações dramáticas de enredos dados.

[...] O teatro grego é mais retórico e mais lírico do que o moderno. Os discursos extensos, que os gregos não se cansavam de ouvir, seriam insuportáveis para o espectador moderno, que prefere, a ouvir discursos, ver e viver a ação. O grego, ao que parece, frequentava o teatro para se deixar convencer da justeza de uma causa, como se estivesse assistindo à audiência do tribunal ou à sessão da Assembleia. E os requintes da retórica, superiores em muito aos pobres recursos da eloquência moderna, não bastaram para esse fim: acrescentaram-se, por isso, aos argumentos do raciocínio as emoções da poesia lírica, acompanhada, como sempre, de música, de modo que a representação de uma tragédia grega se assemelhou, por assim dizer, às nossas grandes óperas. Mas a ópera moderna é gênero privativo das altas classes da sociedade, enquanto a tragédia grega era instituição do Estado democrático, e a participação nela era de certo modo um direito e um dever constitucionais. Assim, a tragédia grega era uma discussão parlamentar na qual se debatia, lançando-se mão de todos os recursos para influenciar o público, um mito da religião do Estado.


Considerando-se isto, as concorrências dos poetas, que apresentaram peças, perdem o caráter de competição esportiva: a vitória não cabia ao maior poeta ou à melhor poesia dramática, mas à peça que impressionava mais profundamente; quer dizer, à peça na qual o mito estava reinterpretado de tal maneira que o público se convencia dessa interpretação e – podemos acrescentar – por isso o Estado a aceitava. Tratava-se de um acontecimento político-religioso, que ocorria uma só vez. O teatro grego não conheceu representações em série. Com a representação solene, a causa estava julgada, a lei votada. O verdadeiro fim do teatro grego – assim reza a tese sociológica – era a sanção duma modificação da ordem social por meio de uma reinterpretação do mito”.

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“A cronologia dos grandes trágicos gregos é um tanto confusa. Desde a Antiguidade foram sempre estudados numa ordem que sugere fatalmente a ideia de três gerações: Sófocles, sucessor de Ésquilo, e Eurípides, por sua vez, sucessor de Sófocles. Mas Ésquilo (525-456 a. C.), Sófocles (496-406 a. C.) e Eurípides (480-406 a. C.) são quase contemporâneos. Quando Aristófanes, contemporâneo dos dois últimos, se revolta contra as novas ideias dramáticas e filosóficas de Eurípides, não é a dramaturgia de Sófocles que ele recomenda como remédio, e sim a de Ésquilo. Para todos três – Sófocles, Aristófanes e Eurípides –, Ésquilo não é um poeta arcaico, e sim o poeta da geração precedente. Realmente, Eurípides tem pouco em comum com Sófocles; e está mais perto de Ésquilo do que o reacionário Aristófanes pensava. É preciso derrubar a ordem que a rotina pretende impor”.

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Sobre Ésquilo, CARPEAUX nos diz:

“Só conhecemos o teatro ateniense, e deste apenas poucas peças, de três dramaturgos. Mas entre eles está o maior de todos, aquele que criou o verdadeiro teatro grego e já representa o seu apogeu. O sentido profundo do teatro grego revela-se em Ésquilo.

[...] Na época de Ésquilo, as leis primitivas da família, do clã, chocam-se com a consciência humana; daí a força trágica de Os Sete contra Tebas, talvez a peça mais trágica do teatro grego [...]. O teatro de Ésquilo trata, desse modo, de destinos coletivos, não de indivíduos. Por isso, é capaz de representar os grandes conflitos na cidade e decidi-los por reinterpretações do mito. Porque o mito continua como símbolo supremo da ligação entre o mundo divino e o mundo humano. Nada se modifica no mundo humano sem modificação correspondente no mundo divino; o Estado precisa da sanção religiosa dos seus atos, e é o teatro que lhe permite o uso dinâmico dos mitos para sancionar a nova ordem social. [...] A Orestéia [trilogia composta das peças Agamêmnon, Coéforas e Eumênides] é a maior tragédia política de todos os tempos”.

[obs.: Carpeaux ainda cita duas tragédias de Ésquilo dignas de nota;
são elas Os persas e Prometeu acorrentado]

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Sobre Eurípedes, CARPEAUX nos diz:

“Eurípides não pertence ao ‘partido’ religioso-político de Ésquilo; [...]. Na tragédia esquiliana, os heróis representam coletividades; na tragédia euripidiana, são indivíduos. Já não se trata do restabelecimento de ordens antigas, ou do estabelecimento de novas ordens, mas da oposição sistemática do indivíduo contra as ordens estabelecidas. [...] Aristóteles chama a Eurípides tragikotatos, ‘o poeta mais trágico de todos’ [...].

[...] A base da tragédia euripidiana, como a da esquiliana, é a família. Mas há uma diferença essencial. Em Ésquilo, as relações familiares constituem a lei bárbara do passado, substituída pela ordem social duma nova religião, a religião da Cidade. Em Eurípides, o Estado é uma força exterior, alheia; o indivíduo encontra-se exposto às complicações da vida familiar, das paixões e desgraças particulares. [...] Mas Ésquilo e Eurípides são quase contemporâneos. Só o ponto de vista de cada um deles é diferente: Ésquilo é coletivista; Eurípides, individualista. Mas o tema dos dois dramaturgos é o mesmo: a família. Ésquilo e Eurípides são, ambos, inimigos da família: Ésquilo, porque ela se opõe ao Estado; Eurípides, porque ela violenta a liberdade do indivíduo”.

“Na exposição dos conflitos psicológicos entre a vontade sentimental do indivíduo e as leis fatais da convivência social e familiar, Eurípides usa a retórica, como o seu grande predecessor; mas em Ésquilo falam montanhas, em Eurípides, almas. Almas que pretendem justificar as suas paixões, inspirar compaixão e terror; a definição dos efeitos da tragédia por Aristóteles é deduzida das peças de Eurípides – por isso, Aristóteles lhe chamou ‘o poeta mais trágico’. [...] Eurípides é o primeiro poeta que exprime a alma do homem, sozinho no mundo, fora de todas as ligações religiosas, familiares e políticas, sozinho com a sua razão crítica e o seu sentimento pessimista, com a sua paixão e o seu desespero. É ‘o mais trágico dos poetas’”. 

“Na tragédia de Eurípides aparecem personagens que a tragédia anterior não conhecera: o mendigo que se queixa da sua condição social, e sobretudo a mulher, envolvida em conflitos sexuais. As personagens femininas são as maiores criações de Eurípides: Fedra, Ifigênia, Electra, Alceste; Medéia é a primeira grande personagem de mãe no palco; Hipólito é a primeira tragédia de amor na literatura universal”.

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Sobre Aristófanes, CARPEAUX nos diz:

“Um individualista como Eurípides encontraria fatalmente oposições em todas as épocas. Mas nenhuma época lhe teria respondido como a Atenas do seu tempo – pela comédia de Aristófanes.

Píndaro é estranho. Aristófanes é mais estranho ainda, a ponto de não encontrar nenhum eco em nossas literaturas. Não há termo de comparação. Até em época de liberdade completa de imprensa e do teatro, não se conheceu entre nós a alta comédia política [...]. Por outro lado, a política é o tema de Aristófanes, mas não a essência da sua arte.

Todas as comédias de Aristófanes têm assunto político. [...] De todos os assuntos, Aristófanes vê só o lado político: Eurípides aparecendo, em As Rãs, pessoalmente, no palco, é o corruptor daquela venerável instituição política que era o teatro, e Sócrates, em As Nuvens, é o corruptor de outra instituição do Estado totalitário ateniense, da educação.

[...] Aristófanes não é profundo. Não tem ideologia bem definida. O seu conservantismo é um tanto sentimental, elogiando os ‘bons velhos tempos’ e denunciando o ‘modernismo’ perigoso dos ‘intelectuais’ e dos ‘socialistas’. [...] Contra eles, Aristófanes não defende uma ideologia, e sim o sentimento moral, ofendido, de um burguês decente, embora de expressão indecentíssima. Pois também nunca se ouviu poeta tão francamente obsceno, chamando todas as coisas pelos nomes certos”.

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Sobre Sófocles, CARPEAUX nos diz:

“Sófocles representa a tentativa de mediar entre os extremos; e quando a mediação se revelou impossível, o grande poeta trágico cantou uma elegia suave e dolorosa, irresistível, que pareceu à posteridade síntese perfeita. Por isso, Sófocles foi sempre o poeta preferido dos partidários do equilíbrio puramente estético: dos classicistas.

É grandíssimo artista. Artista da palavra, dono de extraordinário lirismo musical, sobretudo nos coros. Mas foi também artista da cena, sábio calculador dos efeitos, mestre incomparável da arquitetura dramática, da exposição analítica do enredo. Entre o pathos coletivista de Ésquilo e o pathos individualista de Eurípides, a tragédia semipolítica, semissentimental de Édipo revela força superior de emoção; conflito coletivo e conflito individual estão ligados de maneira tão íntima que o efeito se torna independente de todas as circunstâncias exteriores, efeito permanente. O espectador moderno reconhece-se nos personagens de Sófocles, primeiro grande mestre da dramaturgia de caracteres. O fim, porém, é sempre a emoção lírica: a arquitetura dramática serve para arrancar aos personagens o lamento elegíaco.

[...] No fim das tragédias sofoclianas, os personagens são mais dignos do que eram antes. Eis a solução euripidiana que Sófocles achou para o conflito esquiliano: ordem divina e ordem terrestre, cujo conflito torna tão dolorosa a vida, reconciliam-se na dignidade humana. Em Sófocles, tudo é harmonia, sem que fosse esquecido uma só vez o fundo escuro da nossa existência. Sófocles é humanista. Mas não é um humanismo satisfeito e suficiente, porque o humanismo grego nunca se esquece da precariedade do mundo, pela possível ira dos deuses, nem da tristeza deste mundo que nos impõe o silêncio piedoso no fim da tragédia”.

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Na pasta de arquivos online, estão disponíveis alguns PDFs das peças mencionadas, e de algumas outras: https://www.dropbox.com/home/Grupo%20de%20Estudo%20e%20Leitura%20dos%20Cl%C3%A1ssicos

Um comentário:

  1. Muito bom o resumo sobre os dramaturgos clássicos (gregos).
    Bastante esclarecedor.
    Grato!

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