quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Hinário e liturgia da Igreja romana medieval

CARPEAUX, então, havia distinguido três fases pelas quais passou a mentalidade cristã nos seus primeiros séculos: o período das catacumbas, o encontro com o mundo na Literatura Patrística e um novo recolhimento posterior para dentro dos muros das igrejas. Sto. Agostinho, para Carpeaux, é quem encerra a segunda dessas fases (a da Literatura Patrística) e inicia outra: “após a queda definitiva do Império, o cristianismo retira-se para dentro dos muros da Igreja, e a nova alma encontra a sua nova expressão: eleva-se o hino”. Quanto a ele, Carpeaux nos diz:

“O hinário da Igreja latina é a primeira obra da literatura moderna. Um espírito diferente do espírito da Antiguidade greco-romana cria formas independentes, cuja origem constitui um dos maiores problemas da historiografia literária [cf. a nota de rodapé mais adiante]. [...] A nova estrutura do latim falado é sintoma de uma nova alma que o fala. Um autor anônimo, a alma coletiva, inventa uma nova poesia, os versos de 4 diâmetros jâmbicos,[1] reunidos em estrofes de 4 linhas; primeiro exemplo da poesia ‘moderna’.

Os hinos mais antigos da Igreja atribuem-se a Ambrósio. Em geral, esta tradição foi abandonada pela crítica. Do corpus dos hinos ambrosianos, certamente a maior parte não pertence ao grande bispo de Milão. São de origem incerta os hinos para as horas canônicas, conservados no Breviário Romano: ‘Iam lucis orto sidere’, ‘Nunc sancte nobis Spiritus’, ‘Rector potens, verax Deus’, ‘Rerum Deus tenax vigor’, ‘Lucis creator optime’ e ‘Te lucis ante terminum’; também os hinos mais extensos, ‘Splendor paternae gloriae’, ‘Conditor alme siderum’ e ‘Jesu corona virginum’ não são autênticos. Enfim, é preciso privar Ambrósio da autoria do famoso cântico ‘Te Deum laudamus’. Ficam quando muito, 4 hinos autênticos: ‘Aeterne rerum conditor’, ‘Deus creator omnium’, ‘Iam surgit hora tertia’ e ‘Veni redemptor gentium’; revelam eles que o estoicismo – fonte, tantas vezes, de inspiração lírica – também acendeu no senador eclesiástico e ciceroniano seco a luz da poesia. Revela inspiração ambrosiana, embora indireta, o corpus inteiro dos hinos atribuídos outrora ao bispo; um dos símbolos mais freqüentes na autêntica poesia ambrosiana é o galo que, após a noite que pertence ao demônio, chama os fiéis para o ofício [...].

Como a aurora, cuja luz entra pelas vidraças da igreja, aparece nos hinos ambrosianos a luz de um novo dia, e com ele uma inovação estranhíssima, ‘moderna’, totalmente desconhecida da Antiguidade: a rima”.

CARPEAUX nos introduz então ao “maior poeta da antiga Igreja Romana”, PRUDÊNCIO:

“O verdadeiro Ambrósio da poesia latina cristã é o espanhol Prudêncio, o maior poeta da antiga Igreja Romana. Já foi comparado a Horácio, mas é mais sério, e a Píndaro, mas é mais humano. A grande epopeia alegórica da Psychomachia, a luta das virtudes contra as paixões, talvez interesse hoje menos do que as 14 odes do Peristephanon, em homenagem a 14 mártires espanhóis e africanos, espécie de epinícios cristãos.

Prudêncio, apesar das tentativas de poesia narrativa, é essencialmente um poeta lírico. Nas 12 odes do Cathemerinon, destinadas a certas horas do dia e a certas festas, encontra os acentos mais novos e mais universais [...]. Prudêncio é um dos raros poetas líricos que conseguiram criar um mundo completo de poesia.

A força desse classicismo eclesiástico revela-se na sua capacidade de sobreviver às piores tempestades. Mesmo na corte dos reis merovíngios, num ambiente de assassínio e incesto, um poeta habilíssimo para ocasiões oficiais sabe exprimir os mistérios do credo em símbolos poéticos de autêntica feição romana. Venâncio Fortunato sente o caminho do Cristo para a cruz como triunfo militar – ‘Vexilla Regis prodeunt, fulget crucis mysterium [Avançam os estandartes do Rei, fulgura o mistério da cruz]...’ – e a glória celeste da Virgem como apoteose de uma deusa – ‘O gloriosa domina, Excelsa super sidera [Ó gloriosa senhora, elevada acima dos céus]...’. A língua latina salvara o novo espírito poético”.

CARPEAUX então nos apresenta o grande Papa São GREGÓRIO MAGNO, dizendo:

“O novo mundo lírico encontrou apoio real no trabalho monástico e na organização eclesiástica: dois elementos herdados da realidade romana. Sobrevive espírito romano na regra da ordem de São Bento, na convivência de duro trabalho manual e estudo das letras clássicas; e em relação íntima com o espírito beneditino criou-se o grande papa, que também foi chamado ‘o último romano’ e que é fundador da Igreja medieval: Gregório Magno.

O grande papa aparece nos quadros medievais como simples monge, e isso lhe teria agradado; estimava a simplicidade do coração mais do que os talentos do espírito. Não fez nada para salvar os tesouros ameaçados da civilização clássica; ao contrário, tudo fez para substituir a leitura dos autores pagãos pelos escritores hagiográficos e edificantes, literatura para a qual ele contriuiu com o Liber dialogorum, vidas de santos itálicos, cheias de milagres incríveis, aparições de almas do outro mundo, castigos estranhos infligidos por Deus aos infiéis. É um monge supersticioso, um daqueles a quem ele prescreveu, no Liber regulae pastoralis, as normas de conduta e ação. Chamam-lhe ‘simplista’, ‘inimigo do humanismo’. Mas que valor poderiam ter as disciplinas humanistas para um homem cheio de angústias apocalípticas, que espera o fim do mundo? Essa expectativa impunha disciplina diferente; mas uma disciplina. As ansiedades apocalípticas não transformaram o Papa em quietista angustiado e passivo, e sim em homem de uma atividade enorme, que abrangeu, desde a Itália e a Espanha até a Inglaterra, o mundo inteiro conhecido. Era preciso salvar as almas, antes do cataclismo. E Gregório construiu um abrigo materno para as almas, a Igreja medieval, trabalhando como um monge de São Bento e governando como um ‘consul Dei’.

Era um espírito sóbrio, seco, prático; um romano. Estabilizou o mundo lírico dos hinólogos, construindo-lhes uma catedral invisível. A expressão literária dessa atividade realista e daquele espírito lírico conjugados está na liturgia que tem o nome do papa, embora ela tivesse origens mais remotas, e séculos posteriores, até o século XII, houvessem acrescentado muito à ‘liturgia gregoriana’”.

***

Antes de expor-nos seus comentários a respeito da liturgia romana medieval, CARPEAUX, para bem situá-la, desmistifica o famigerado conceito de “Idade das Trevas”:

“Foi William Robertson, historiógrafo inglês do século XVIII, quem criou a expressão ‘Dark Ages’, ou ‘séculos obscuros’, para qualificar a época em que a ‘Razão’ e as ‘boas letras clássicas’ não iluminaram o mundo. A expressão mudou várias vezes de sentido, estendendo-se à Idade Média inteira, ou aos séculos IX, X e XI, entre a queda do Império carolíngio e as Cruzadas, ou então aos séculos VI, VII e VIII.

Do ponto de vista da história literária, este último sentido da expressão é o mais razoável. A literatura romana acabara e as literaturas modernas ainda não tinham começado, nem em língua latina nem nas línguas nacionais. O vazio explica-se pela destruição geral, a perda de quase todos os bens materiais, inclusive os benefícios de uma administração organizada. Contudo, a relação entre o estado econômico-político e a situação cultural não pode ser formulada à maneira de uma equação algébrica. Antes dos ‘séculos obscuros’ e depois, as maiores devastações materiais não impediram o cultivo das letras, e a hinografia ambrosiana e pós-ambrosiana, literatura original e poderosa, constitui um primeiro desmentido àquele inglês incompreensivo. Outro desmentido, mais forte ainda, revela-se no estudo da liturgia romana. É ela, sem dúvida, uma obra literária, embora de um tipo diferente da literatura pagã e da literatura medieval; constitui uma literatura sui generis, não comparável a nenhuma outra, de modo que nem os critérios classicistas nem os critérios ‘modernos’ a ela se aplicam bem.

A mais geral e mais rigorosa das normas historiográficas exige a compreensão e apreciação de todos os fatos históricos segundo os cânones e critérios da própria época a que pertencem. Vista assim, a liturgia é alguma coisa mais do que um cerimonial eclesiástico; revela-se como obra literária, cujo valor, se bem que relacionado intimamente com o credo que exprime, não pode depender das convicções religiosas da crítica ou do crítico. A apreciação literária da liturgia exige, certamente, uma ‘suspension of disbelief’ da parte do descrente; mas a leitura compreensiva de Dante e Milton exige o mesmo de todos os que não são católicos florentinos ou puritanos ingleses. Após a ‘suspensão da descrença’, ninguém negará à liturgia o caráter de grande obra literária que marca os séculos VI e VII, iluminando-lhes a ‘obscuridade’”.

Agora propriamente sobre a liturgia romana medieval, CARPEAUX diz:

“A liturgia romana compõe-se de certo número de pequenos textos religiosos, reunidos conforme a atuação do sacerdote no altar. Alguns desses textos são iguais, permanentes, em todas as missas, particularmente o Cânon, que inclui o sacrifício e a transubstanciação; outros mudam conforme os domingos e a sua posição nas fases do ano eclesiástico; mais outros, segundo os dias dos santos cujo martírio ou translação se comemora. A origem romana da liturgia em vigor explica, nestes últimos casos, certa preferência dada aos santos locais da cidade de Roma, de modo que a ordem dos serviços religiosos nas igrejas romanas (‘igrejas de estação’) influi na composição da liturgia e do ano eclesiástico. Não é possível verificar com certeza quando, onde e por que todos aqueles textos foram redigidos e depois reunidos em ordem definitiva; as origens da liturgia assemelham-se à maneira como a filologia do século XIX imaginava a criação das ‘epopeias populares’, do Poema del Cid ou do Nibelungenlied, de autoria coletiva. O verdadeiro autor da liturgia é a Igreja.

Havia várias Igrejas e várias liturgias. Só no Oriente existem ou existiam dois grupos inteiros de liturgias, do tipo antioqueno e do tipo alexandrino, redigidas em grego ou em línguas asiáticas, e uma delas foi a primeira liturgia romana, hoje desaparecida. No Ocidente se introduziram variantes da forma oriental: a liturgia ambrosiana da Igreja de Milão; a liturgia moçárabe ou gótica, na Espanha; a liturgia céltica, nas ilhas britânicas; e, particularmente na França, a liturgia galicana, que influiu muito na formação definitiva da liturgia romana, para ceder, enfim, a esta, que suplantou, no Ocidente, todas as outras. A liturgia romana é um compromisso entre as liturgias orientais e ocidentais, e um compromisso extraordinariamente feliz.

A história da liturgia romana encontra-se no Liber pontificalis, a crônica dos primeiros papas, na correspondência papal e nos martiriológios romanos. As missas dos séculos V e VIII subsistem em três velhas coleções: o Sacramentarium Leonianum, o Sacramentarium Gelasianum e o Sacramentarium Gregorianum. Com a interpolação de elementos galicanos no Sacramentarium Gregorianum, na época e a pedido de Carlos Magno, terminou a evolução; na Idade Média fizeram-se apenas modificações sem importância.



O ‘Introibo ad altare Dei’, pórtico da missa, compõe-se de versículos bíblicos e da reza pela absolvição dos pecados; logo a linguagem da Vulgata (‘Judica me, Deus, et discerne causam meam de gente non sancta’) revela a sua qualidade litúrgica.

O início da missa liga-se ao ‘Confiteor’ por uma daquelas fórmulas que sempre voltam, lembrando menos um refrão do que as fórmulas feitas da epopeia homérica: ‘Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto, sicut erat in principio et nunc et semper, in saecula saeculorum. Amen’. É o ‘tema’ da missa.

Após o ‘Introitus’, que alude à festa do dia, Deus é aclamado em palavras gregas que formam uma espécie de tríptico: ‘Kyrie, eleison. Kyrie, eleison. Kyrie, eleison. Christe, eleison. Christe, eleison. Christe, eleison. Kyrie, eleison. Kyrie, eleison. Kyrie, eleison’. Trata-se, com efeito, de uma ‘aclamação’, como a receberam os imperadores de Bizâncio no momento de sentarem-se no trono.

Várias orações cercam a leitura solene da Epístola e do Evangelho, herança do serviço religioso na sinagoga, e entre elas inclui-se o ‘Gloria in excelsis Deo’..., como que abrindo o Céu sobre o altar.

A transição para o serviço de sacrifício é feita por uma das partes mais antigas da missa, o ato de mistura de vinho e água, simbolizando a união dos fiéis com Cristo: ‘Deus, qui humanae substantiae dignitatem mirabiliter condidisti, et mirabilius reformasti’, palavras nas quais a dignidade austera da língua latina se humilha no coletivismo dos ‘divinitatis consortes’.

Sobrevivem, na liturgia romana, apenas algumas palavras das epikleseis, das invocações do Espírito Santo, que nas liturgias gregas quase sufocam, pela sua grande extensão, o Cânon; a liturgia ocidental é de sobriedade romana. Quando, e isso acontece só uma vez, cede à pompa oriental, na Praefatio com o seu júbilo dos exércitos celestes, dos ‘Angeli, Dominationes, Potestates, Seraphim’, seguem-se, então, imediatamente, as palavras secas, de maior economia estilística, do Cânon, que é a parte genuinamente romana da missa latina, romana no sentido local: no momento em que o Cânon é recitado, qualquer altar católico, em qualquer parte do mundo, está idealmente em Roma.

No ‘Communicantes et memoriam venerantes’, a comemoração dos santos mencionam-se, além da Virgem e dos Apóstolos, somente Lino, Cleto, Clemente, Xisto e Cornélio, entre os primeiros sucessores de são Pedro no bispado romano; depois, o africano Cipriano e os mártires locais da cidade: Lourenço, Crisógono, João e Paulo, Cosme e Damião. Estamos em uma basílica dos primeiros séculos, perto das catacumbas.

E em outra oração muito antiga, no ‘Hanc igitur oblationem’, inseriu Gregório Magno as palavras ‘diesque nostro in tua pace disponas’, para lembrar a todos os séculos vindouros as atribulações da cidade de Roma no século VI, cercada pelos longobardos; palavras que são de uma atualidade permanente.

Após a transubstanciação, que se distingue pelo mais alto grau de expressão religiosa – o silêncio – pede-se a Cristo o “locum refrigerii, lucis et pacis’, para os ‘qui nos praecesserunt cum signo fideiet dormiunt in somno pacis’, e, já fora do Cânon, a graça para os que há pouco aclamaram o Kyrios e agora, em outro ‘tríptico’, se curvam perante o Deus sacrificado: ‘Agnus Dei, qui tollis peccata mundi: miserere nobis. Agnus Dei, qui tollis peccata mundi: miserere nobis. Agnus Dei, qui tollis peccata mundi: dona nobis pacem’.

O ciclo está fechado. O fim é a melodia largamente desenvolvida com que a Igreja despede os ‘circunstantes’ para voltarem à vida profana: ‘Ite, Missa est’.



A variedade das missas era, no começo, muito grande: cada dia tinha a sua missa especial, como acontece ainda nas semanas da quaresma, nas quais o mundo inteiro participa do culto nas ‘igrejas de estação’ da Urbs. Mas a sobriedade romana fez tudo para suprir as diversidades exuberantes. Distribuiu-se uma missa mais ou menos uniformizada pelas ‘estações do ano’, constituindo o ano eclesiástico a repetição simbólica da epopéia da história sacra e redenção do gênero humano: Advento, Rorate coeli, Natal, Epiphania, Cinzas, Invocabit, Reminiscere, Oculi, Laetare Jerusalem, Iudica, Palmarum, Semana Santa, Páscoa, Quasimodogeniti, Pentecostes, os 24 domingos, desde a Trindade até à leitura da profecia apocalíptica, Finados; e, de novo, Advento.

Afirmar que a liturgia é uma grande obra de arte implica esteticismo suspeito. Assim como a língua latina, durante muitos séculos de sobrevivência, se adaptou a estados de alma inteiramente novos, assim também a liturgia latina teve significação diferente em todas as épocas. A sua interpretação como drama religioso tem fundamento apenas na relação puramente histórica entre as cerimônias eclesiásticas e o teatro medieval, e na pompa religiosa do Barroco, quando a música e as artes plásticas colaboraram para transformar a missa solene em ‘obra de arte total’, no sentido de Wagner. Essa interpretação ajuda a sufocar a palavra; mas a palavra é a essência da liturgia. A liturgia é essencialmente uma composição literária, sem consideração de efeitos teatrais ou pictórico-musicais.

Talvez se entenda melhor o sentido da liturgia nas missas rezadas na alta madrugada, sem música, quando o sacerdote só murmura as palavras, e o silêncio absoluto em torno do sacrifício é menos efetuoso e mais profundo. É preciso ler e entender o texto – não basta ouvi-lo – para ‘sentire cum Ecclesia’.

Então a permanência de certos textos e as modificações de outros durante o ciclo do ano revelam-se como traços característicos de um ‘ciclo’ em sentido literário, de uma epopéia. A primeira e maior epopéia que o Ocidente criou. Como todas as grandes epopéias, a liturgia constitui um mundo completo – criação, nascimento, vida, morte e fim – dentro dos muros da igreja. Mundo fechado, cuja literatura é ‘exótica’ num sentido diferente do da pagã: literatura de outro mundo.

Para designar o ‘fora’, a Igreja Romana, tão zelosa do uso exclusivo da língua latina, admitiu uma expressão do latim vulgar: ‘fuori le mura’; várias igrejas romanas chamam-se assim. A expressão lembra aqueles ‘diesque nostros in tua pace disponas’ que foi inserto porque ‘fuori le mura’ não havia aquela paz. A epopeia eclesiástica da liturgia decorreu só dentro dos muros. Lá fora, havia os bárbaros e a destruição.

***




[1] Jâmbico (ou iâmbico), na literatura grego-latina antiga, era um tipo de unidade de ritmo do verso (ou, do verso), este especificamente composto de uma sílaba curta seguida de uma sílaba longa. A partir do séc. II da era cristã, diz Carpeaux que “perde-se a segurança” na contagem das sílabas poéticas porque “os poetas latinos caem com freqüência em erros prosódicos, enganando-se com respeito à quantidade das sílabas; mas [era] sobre a quantidade das sílabas [que] se base[ava] a métrica greco-romana”. Passa-se portanto a procurar um “novo apoio” para a contagem rítmica dos versos (ou seja, prosódia), que é encontrado então “no acento da palavra falada”: “A liturgia cristã contribuiu para essa modificação essencial, pelo uso das antífonas com a sua prosódia diferente. Contudo, não está esclarecido se a verdadeira origem da nova métrica se encontra na evolução da língua latina ou na liturgia”.

Portanto, o jâmbico (ou iâmbico), a partir deste período, passou a ser a unidade de ritmo do verso composta não mais por uma sílaba curta seguida de uma longa, mas a composta de uma sílaba átona seguida de uma sílaba tônica (ou, uma fraca seguida de uma forte, dentro do conceito de sílaba poética que hoje nos é familiar). Nas epopéias greco-latinas, porém, era comum que se usasse o dáctilo como pé, ou seja, uma sílaba longa seguida de duas curtas, e não o iâmbico.

Na literatura greco-romana antiga, os versos geralmente eram compostos por 6 pés, ou seja, 6 agrupamentos silábicos, e a isso se chamava de hexâmetro. Se o quinto agrupamento (5º pé) desse hexâmetro fosse um dáctilo (longa-curta-curta), tinha-se portanto o conhecido hexâmetro dáctilo.

Assim como, portanto, o hexâmetro dáctilo era um verso de 6 pés cujo 5º devia ser de tipo dáctilo, um diâmetro iâmbico seria (salvo engano) um verso que termina com 2 pés de tipo iâmbico (2 x átona-tônica). Uma estrofe de quatro versos compostos, por sua vez, de quatro diâmetros iâmbicos, que Carpeaux diz ser o caso desses primeiros hinos da Igreja, seria (de novo: salvo engano) algo como:
               
            “Jesu corona virginum
            Quem Mater illa concipit
            Quae sola Virgo parturit
            Haec vota clemens accipe.
  
            Qui pascis inter lilia,
            septus choreis Virginum
            sponsas decorans gloria,
            sponsisque reddens praemia.

            Quocumque pergis, virgines
            sequuntur, atque laudibus
            post te canentes cursitant
            hymnosque dulces personant.

            Te deprecamur largius
            nostris adauge sensibus
            nescire prorsus omnia,
            corruptionis vulnera.

            Virtus, honor, laus, gloria,
            Deo Patri cum Filio,
            Sancto simul Paraclito
            In saeculorum saecula”.

                               (Jesu corona virginum, atribuído a Sto. Ambrósio.
                               Versão cantada em http://tinyurl.com/pmm2pe3)

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