CARPEAUX, então, havia distinguido três fases pelas quais
passou a mentalidade cristã nos seus primeiros séculos: o período das
catacumbas, o encontro com o mundo na Literatura Patrística e um novo
recolhimento posterior para dentro dos muros das igrejas. Sto. Agostinho,
para Carpeaux, é quem encerra a segunda dessas fases (a da Literatura
Patrística) e inicia outra: “após a queda definitiva do Império, o cristianismo
retira-se para dentro dos muros da Igreja, e a nova alma encontra a sua nova
expressão: eleva-se o hino”. Quanto
a ele, Carpeaux nos diz:
“O hinário da Igreja latina é a primeira obra da literatura moderna.
Um espírito diferente do espírito da Antiguidade greco-romana cria formas
independentes, cuja origem constitui um dos maiores problemas da historiografia
literária [cf. a nota de rodapé mais adiante]. [...] A nova estrutura do latim
falado é sintoma de uma nova alma que o fala. Um autor anônimo, a alma
coletiva, inventa uma nova poesia, os versos de 4 diâmetros jâmbicos,[1]
reunidos em estrofes de 4 linhas; primeiro exemplo da poesia ‘moderna’.
Os hinos
mais antigos da Igreja atribuem-se a Ambrósio.
Em geral, esta tradição foi abandonada pela crítica. Do corpus dos hinos
ambrosianos, certamente a maior parte não pertence ao grande bispo de Milão. São
de origem incerta os hinos para as horas canônicas, conservados no Breviário Romano:
‘Iam lucis orto sidere’, ‘Nunc sancte nobis Spiritus’, ‘Rector potens, verax Deus’, ‘Rerum Deus tenax vigor’, ‘Lucis creator optime’ e ‘Te lucis ante terminum’; também os hinos
mais extensos, ‘Splendor paternae gloriae’,
‘Conditor alme siderum’ e ‘Jesu corona virginum’ não são autênticos.
Enfim, é preciso privar Ambrósio da autoria do famoso cântico ‘Te Deum laudamus’. Ficam quando muito, 4
hinos autênticos: ‘Aeterne rerum conditor’,
‘Deus creator omnium’, ‘Iam surgit hora tertia’ e ‘Veni redemptor gentium’; revelam eles
que o estoicismo – fonte, tantas vezes, de inspiração lírica – também acendeu
no senador eclesiástico e ciceroniano seco a luz da poesia. Revela inspiração
ambrosiana, embora indireta, o corpus inteiro dos hinos atribuídos
outrora ao bispo; um dos símbolos mais freqüentes na autêntica poesia
ambrosiana é o galo que, após a noite que pertence ao demônio, chama os fiéis
para o ofício [...].
Como a aurora, cuja luz entra pelas
vidraças da igreja, aparece nos hinos ambrosianos a luz de um novo dia, e com
ele uma inovação estranhíssima, ‘moderna’, totalmente desconhecida da
Antiguidade: a rima”.
CARPEAUX nos
introduz então ao “maior poeta da antiga Igreja Romana”, PRUDÊNCIO:
“O verdadeiro Ambrósio da poesia
latina cristã é o espanhol Prudêncio,
o maior poeta da antiga Igreja Romana. Já foi comparado a Horácio, mas é mais sério,
e a Píndaro, mas é mais humano. A grande epopeia alegórica da Psychomachia,
a luta das virtudes contra as paixões, talvez interesse hoje menos do que as 14
odes do Peristephanon, em homenagem a 14 mártires espanhóis e africanos,
espécie de epinícios cristãos.
Prudêncio, apesar das tentativas de
poesia narrativa, é essencialmente um poeta lírico. Nas 12 odes do Cathemerinon,
destinadas a certas horas do dia e a certas festas, encontra os acentos mais
novos e mais universais [...]. Prudêncio é um dos raros poetas líricos que conseguiram
criar um mundo completo de poesia.
A força desse classicismo eclesiástico
revela-se na sua capacidade de sobreviver às piores tempestades. Mesmo na corte
dos reis merovíngios, num ambiente de assassínio e incesto, um poeta habilíssimo
para ocasiões oficiais sabe exprimir os mistérios do credo em símbolos poéticos
de autêntica feição romana. Venâncio Fortunato sente o caminho do Cristo para a
cruz como triunfo militar – ‘Vexilla
Regis prodeunt, fulget crucis mysterium [Avançam os estandartes do Rei,
fulgura o mistério da cruz]...’ – e a glória celeste da Virgem como apoteose de
uma deusa – ‘O gloriosa domina, Excelsa
super sidera [Ó gloriosa senhora, elevada acima dos céus]...’. A língua
latina salvara o novo espírito poético”.
CARPEAUX
então nos apresenta o grande Papa São GREGÓRIO
MAGNO, dizendo:
“O novo mundo lírico encontrou apoio
real no trabalho monástico e na organização eclesiástica: dois
elementos herdados da realidade romana. Sobrevive espírito romano na regra da
ordem de São Bento, na convivência de duro trabalho manual e estudo das letras
clássicas; e em relação íntima com o espírito beneditino criou-se o grande
papa, que também foi chamado ‘o último romano’ e que é fundador da Igreja
medieval: Gregório Magno.
O grande papa aparece nos quadros
medievais como simples monge, e isso lhe teria agradado; estimava a
simplicidade do coração mais do que os talentos do espírito. Não fez nada
para salvar os tesouros ameaçados da civilização clássica; ao contrário, tudo
fez para substituir a leitura dos autores pagãos pelos escritores hagiográficos
e edificantes, literatura para a qual ele contriuiu com o Liber dialogorum,
vidas de santos itálicos, cheias de milagres incríveis, aparições de almas do
outro mundo, castigos estranhos infligidos por Deus aos infiéis. É um monge
supersticioso, um daqueles a quem ele prescreveu, no Liber regulae
pastoralis, as normas de conduta e ação. Chamam-lhe ‘simplista’, ‘inimigo
do humanismo’. Mas que valor poderiam ter as disciplinas humanistas para um
homem cheio de angústias apocalípticas, que espera o fim do mundo? Essa
expectativa impunha disciplina diferente; mas uma disciplina. As ansiedades
apocalípticas não transformaram o Papa em quietista angustiado e passivo, e sim
em homem de uma atividade enorme, que abrangeu, desde a Itália e a Espanha até
a Inglaterra, o mundo inteiro conhecido. Era preciso salvar as almas, antes do cataclismo.
E Gregório construiu um abrigo materno para as almas, a Igreja medieval,
trabalhando como um monge de São Bento e governando como um ‘consul Dei’.
Era um espírito sóbrio, seco, prático;
um romano. Estabilizou o mundo lírico dos hinólogos, construindo-lhes
uma catedral invisível. A expressão literária dessa atividade realista e
daquele espírito lírico conjugados está na liturgia que tem o nome do papa,
embora ela tivesse origens mais remotas, e séculos posteriores, até o século
XII, houvessem acrescentado muito à ‘liturgia gregoriana’”.
***
Antes de
expor-nos seus comentários a respeito da liturgia
romana medieval, CARPEAUX, para bem situá-la, desmistifica o famigerado
conceito de “Idade das Trevas”:
“Foi William Robertson, historiógrafo
inglês do século XVIII, quem criou a expressão ‘Dark Ages’, ou ‘séculos obscuros’, para qualificar a época em que a
‘Razão’ e as ‘boas letras clássicas’ não iluminaram o mundo. A expressão mudou
várias vezes de sentido, estendendo-se à Idade Média inteira, ou aos séculos
IX, X e XI, entre a queda do Império carolíngio e as Cruzadas, ou então aos séculos
VI, VII e VIII.
Do ponto de vista da história
literária, este último sentido da expressão é o mais razoável. A literatura
romana acabara e as literaturas modernas ainda não tinham começado, nem em língua
latina nem nas línguas nacionais. O vazio explica-se pela destruição geral, a
perda de quase todos os bens materiais, inclusive os benefícios de uma
administração organizada. Contudo, a relação entre o estado econômico-político
e a situação cultural não pode ser formulada à maneira de uma equação algébrica.
Antes dos ‘séculos obscuros’ e depois, as maiores devastações materiais não
impediram o cultivo das letras, e a hinografia ambrosiana e pós-ambrosiana,
literatura original e poderosa, constitui um primeiro desmentido àquele inglês
incompreensivo. Outro desmentido, mais forte ainda, revela-se no estudo da
liturgia romana. É ela, sem dúvida, uma obra literária, embora de um tipo
diferente da literatura pagã e da literatura medieval; constitui uma literatura
sui generis, não comparável a nenhuma outra, de modo que nem os critérios
classicistas nem os critérios ‘modernos’ a ela se aplicam bem.
A mais geral e mais rigorosa das
normas historiográficas exige a compreensão e apreciação de todos os fatos históricos
segundo os cânones e critérios da própria época a que pertencem. Vista assim, a
liturgia é alguma coisa mais do que um cerimonial eclesiástico; revela-se como
obra literária, cujo valor, se bem que relacionado intimamente com o credo que
exprime, não pode depender das convicções religiosas da crítica ou do crítico.
A apreciação literária da liturgia exige, certamente, uma ‘suspension of disbelief’ da parte do descrente; mas a
leitura compreensiva de Dante e Milton exige o mesmo de todos os que não são católicos
florentinos ou puritanos ingleses. Após a ‘suspensão da descrença’, ninguém
negará à liturgia o caráter de grande obra literária que marca os séculos VI e
VII, iluminando-lhes a ‘obscuridade’”.
Agora
propriamente sobre a liturgia romana
medieval, CARPEAUX diz:
“A liturgia romana compõe-se de
certo número de pequenos textos religiosos, reunidos conforme a atuação do
sacerdote no altar. Alguns desses textos são iguais, permanentes, em todas as
missas, particularmente o Cânon, que inclui o sacrifício e a transubstanciação;
outros mudam conforme os domingos e a sua posição nas fases do ano eclesiástico;
mais outros, segundo os dias dos santos cujo martírio ou translação se
comemora. A origem romana da liturgia em vigor explica, nestes últimos casos,
certa preferência dada aos santos locais da cidade de Roma, de modo que a ordem
dos serviços religiosos nas igrejas romanas (‘igrejas de estação’) influi na
composição da liturgia e do ano eclesiástico. Não é possível verificar com
certeza quando, onde e por que todos aqueles textos foram redigidos e depois
reunidos em ordem definitiva; as origens da liturgia assemelham-se à maneira
como a filologia do século XIX imaginava a criação das ‘epopeias populares’, do
Poema del Cid ou do Nibelungenlied, de autoria coletiva. O
verdadeiro autor da liturgia é a Igreja.
Havia várias Igrejas e várias
liturgias. Só no Oriente existem ou existiam dois grupos inteiros de liturgias,
do tipo antioqueno e do tipo alexandrino, redigidas em grego ou em línguas asiáticas,
e uma delas foi a primeira liturgia romana, hoje desaparecida. No Ocidente se
introduziram variantes da forma oriental: a liturgia ambrosiana da Igreja de
Milão; a liturgia moçárabe ou gótica, na Espanha; a liturgia céltica, nas ilhas
britânicas; e, particularmente na França, a liturgia galicana, que influiu
muito na formação definitiva da liturgia romana, para ceder, enfim, a esta, que
suplantou, no Ocidente, todas as outras. A liturgia romana é um compromisso entre as liturgias orientais e
ocidentais, e um compromisso extraordinariamente feliz.
A história da liturgia romana
encontra-se no Liber pontificalis, a crônica dos primeiros papas, na
correspondência papal e nos martiriológios romanos. As missas dos séculos V e
VIII subsistem em três velhas coleções: o Sacramentarium Leonianum, o Sacramentarium
Gelasianum e o Sacramentarium Gregorianum. Com a interpolação de
elementos galicanos no Sacramentarium Gregorianum, na época e a pedido
de Carlos Magno, terminou a evolução; na Idade Média fizeram-se apenas modificações
sem importância.
O ‘Introibo ad altare Dei’, pórtico da missa, compõe-se de versículos
bíblicos e da reza pela absolvição dos pecados; logo a linguagem da Vulgata (‘Judica me, Deus, et discerne causam meam de
gente non sancta’) revela a sua qualidade litúrgica.
O início da missa liga-se ao ‘Confiteor’ por uma daquelas fórmulas
que sempre voltam, lembrando menos um refrão do que as fórmulas feitas da
epopeia homérica: ‘Gloria Patri et Filio
et Spiritui Sancto, sicut erat in principio et nunc et semper, in saecula
saeculorum. Amen’. É o ‘tema’ da
missa.
Após o ‘Introitus’, que alude à festa do dia, Deus é aclamado em
palavras gregas que formam uma espécie de tríptico: ‘Kyrie, eleison. Kyrie, eleison. Kyrie, eleison. Christe,
eleison. Christe, eleison. Christe, eleison. Kyrie, eleison. Kyrie, eleison.
Kyrie, eleison’. Trata-se, com efeito, de uma ‘aclamação’, como a receberam
os imperadores de Bizâncio no momento de sentarem-se no trono.
Várias orações cercam a leitura
solene da Epístola e do Evangelho, herança do serviço religioso na
sinagoga, e entre elas inclui-se o ‘Gloria
in excelsis Deo’..., como que abrindo o Céu sobre o altar.
A transição para o serviço de sacrifício
é feita por uma das partes mais antigas da missa, o ato de mistura de vinho
e água, simbolizando a união dos fiéis com Cristo: ‘Deus, qui humanae substantiae dignitatem mirabiliter condidisti, et
mirabilius reformasti’, palavras nas quais a dignidade austera da língua
latina se humilha no coletivismo dos ‘divinitatis consortes’.
Sobrevivem, na liturgia romana,
apenas algumas palavras das epikleseis, das invocações do Espírito
Santo, que nas liturgias gregas quase sufocam, pela sua grande extensão, o Cânon;
a liturgia ocidental é de sobriedade romana. Quando, e isso acontece só uma
vez, cede à pompa oriental, na Praefatio com o seu júbilo dos exércitos
celestes, dos ‘Angeli, Dominationes, Potestates, Seraphim’, seguem-se,
então, imediatamente, as palavras secas, de maior economia estilística, do Cânon,
que é a parte genuinamente romana da missa latina, romana no sentido local: no momento
em que o Cânon é recitado, qualquer altar católico, em qualquer parte do mundo,
está idealmente em Roma.
No ‘Communicantes et memoriam venerantes’, a comemoração dos
santos mencionam-se, além da Virgem e dos Apóstolos, somente Lino, Cleto,
Clemente, Xisto e Cornélio, entre os primeiros sucessores de são Pedro no
bispado romano; depois, o africano Cipriano e os mártires locais da cidade:
Lourenço, Crisógono, João e Paulo, Cosme e Damião. Estamos em uma basílica dos
primeiros séculos, perto das catacumbas.
E em outra oração muito antiga, no ‘Hanc
igitur oblationem’, inseriu Gregório Magno as palavras ‘diesque nostro in tua pace disponas’,
para lembrar a todos os séculos vindouros as atribulações da cidade de Roma no
século VI, cercada pelos longobardos; palavras que são de uma atualidade
permanente.
Após a transubstanciação, que
se distingue pelo mais alto grau de expressão religiosa – o silêncio – pede-se a Cristo o “locum refrigerii, lucis et pacis’, para os ‘qui nos praecesserunt cum signo fideiet dormiunt in somno pacis’,
e, já fora do Cânon, a graça para os que há pouco
aclamaram o Kyrios e agora, em outro ‘tríptico’, se curvam perante o
Deus sacrificado: ‘Agnus Dei, qui
tollis peccata mundi: miserere nobis. Agnus Dei, qui tollis peccata mundi:
miserere nobis. Agnus Dei, qui tollis peccata mundi: dona nobis pacem’.
O ciclo está fechado. O fim é a
melodia largamente desenvolvida com que a Igreja despede os ‘circunstantes’
para voltarem à vida profana: ‘Ite,
Missa est’.
A variedade das missas era, no começo,
muito grande: cada dia tinha a sua missa especial, como acontece ainda nas
semanas da quaresma, nas quais o mundo inteiro participa do culto nas ‘igrejas
de estação’ da Urbs. Mas a sobriedade romana fez tudo para suprir as
diversidades exuberantes. Distribuiu-se uma missa mais ou menos uniformizada
pelas ‘estações do ano’, constituindo o ano eclesiástico a repetição simbólica
da epopéia da história
sacra e redenção do gênero humano: Advento, Rorate coeli, Natal, Epiphania,
Cinzas, Invocabit, Reminiscere, Oculi, Laetare Jerusalem,
Iudica, Palmarum, Semana Santa, Páscoa, Quasimodogeniti,
Pentecostes, os 24 domingos, desde a Trindade até à leitura da profecia apocalíptica,
Finados; e, de novo, Advento.
Afirmar que a liturgia é uma grande
obra de arte implica esteticismo suspeito. Assim como a língua latina, durante
muitos séculos de sobrevivência, se adaptou a estados de alma inteiramente
novos, assim também a liturgia latina teve significação diferente em todas as épocas.
A sua interpretação como drama religioso tem fundamento apenas na relação
puramente histórica entre as cerimônias eclesiásticas e o teatro medieval, e na
pompa religiosa do Barroco, quando a música e as artes plásticas colaboraram para
transformar a missa solene em ‘obra de arte total’, no sentido de Wagner. Essa
interpretação ajuda a sufocar a palavra; mas a palavra é a essência da
liturgia. A liturgia é essencialmente uma composição literária, sem consideração
de efeitos teatrais ou pictórico-musicais.
Talvez se entenda melhor o sentido
da liturgia nas missas rezadas na alta madrugada, sem música, quando o
sacerdote só murmura as palavras, e o silêncio absoluto em torno do sacrifício é
menos efetuoso e mais profundo. É preciso ler e entender o texto – não basta
ouvi-lo – para ‘sentire cum Ecclesia’.
Então a permanência de certos textos
e as modificações de outros durante o ciclo do ano
revelam-se como traços característicos de um ‘ciclo’ em sentido literário, de
uma epopéia. A primeira e maior epopéia que o Ocidente criou. Como todas
as grandes epopéias, a liturgia constitui um mundo completo – criação,
nascimento, vida, morte e fim – dentro dos muros da igreja. Mundo fechado,
cuja literatura é ‘exótica’ num sentido diferente do da pagã: literatura de
outro mundo.
Para designar o ‘fora’, a Igreja
Romana, tão zelosa do uso exclusivo da língua latina, admitiu uma expressão do
latim vulgar: ‘fuori le mura’; várias
igrejas romanas chamam-se assim. A expressão lembra aqueles ‘diesque nostros in tua pace disponas’
que foi inserto porque ‘fuori le mura’
não havia aquela paz. A epopeia eclesiástica da liturgia decorreu só dentro dos
muros. Lá fora, havia os bárbaros e a destruição.
***
[1]
Jâmbico (ou iâmbico), na literatura grego-latina antiga, era um tipo de unidade
de ritmo do verso (ou, pé do verso),
este especificamente composto de uma sílaba curta seguida de uma sílaba longa.
A partir do séc. II da era cristã, diz Carpeaux que “perde-se a segurança” na
contagem das sílabas poéticas porque “os poetas latinos caem com freqüência em
erros prosódicos, enganando-se com respeito à quantidade das sílabas; mas [era]
sobre a quantidade das sílabas [que] se base[ava] a métrica greco-romana”.
Passa-se portanto a procurar um “novo apoio” para a contagem rítmica dos versos
(ou seja, prosódia), que é encontrado então “no acento da palavra falada”:
“A liturgia cristã contribuiu para essa modificação essencial, pelo uso das antífonas
com a sua prosódia diferente. Contudo, não está esclarecido se a verdadeira
origem da nova métrica se encontra na evolução da língua latina ou na liturgia”.
Portanto,
o jâmbico (ou iâmbico), a partir deste período, passou a ser a unidade de ritmo
do verso composta não mais por uma sílaba curta
seguida de uma longa, mas a composta
de uma sílaba átona seguida de uma
sílaba tônica (ou, uma fraca seguida
de uma forte, dentro do conceito de sílaba poética que hoje nos é
familiar). Nas epopéias greco-latinas, porém, era comum que se usasse o dáctilo
como pé, ou seja, uma sílaba longa seguida de duas curtas, e não o iâmbico.
Na
literatura greco-romana antiga, os versos geralmente eram compostos por 6 pés,
ou seja, 6 agrupamentos silábicos, e a isso se chamava de hexâmetro. Se
o quinto agrupamento (5º pé) desse hexâmetro fosse um dáctilo
(longa-curta-curta), tinha-se portanto o conhecido hexâmetro dáctilo.
Assim
como, portanto, o hexâmetro dáctilo era um verso de 6 pés cujo 5º devia ser de
tipo dáctilo, um diâmetro iâmbico seria (salvo engano) um verso que termina com
2 pés de tipo iâmbico (2 x átona-tônica). Uma estrofe de quatro versos
compostos, por sua vez, de quatro diâmetros iâmbicos, que Carpeaux diz ser o
caso desses primeiros hinos da Igreja, seria (de novo: salvo engano) algo como:
“Jesu corona virginum
Quem Mater illa
concipit
Quae sola Virgo
parturit
Haec vota clemens
accipe.
Qui pascis inter
lilia,
septus
choreis Virginum
sponsas
decorans gloria,
sponsisque reddens
praemia.
Quocumque pergis,
virgines
sequuntur, atque
laudibus
post te canentes
cursitant
hymnosque dulces
personant.
Te deprecamur
largius
nostris
adauge sensibus
nescire prorsus
omnia,
corruptionis vulnera.
Virtus,
honor, laus, gloria,
Deo
Patri cum Filio,
Sancto
simul Paraclito
In saeculorum
saecula”.
(Jesu corona virginum, atribuído a Sto.
Ambrósio.
Versão
cantada em http://tinyurl.com/pmm2pe3)
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