quinta-feira, 19 de março de 2015

Primeira leitura: "Ilíada", de Homero

Otto Maria CARPEAUX nos diz o seguinte:

“A literatura grega, tão variada com respeito aos metros da versificação, estilos de expressão, gêneros e temperamentos, parece um pouco monótona quanto aos assuntos. Muitas vezes voltam nas peças teatrais os mesmos enredos, a poesia celebra sempre os mesmos ideais, os prosadores sempre se apóiam nas mesmas citações. A base da literatura grega continua, durante os séculos, sempre a mesma, e essa base é um ciclo de poesias épicas que constituem um cânone tradicional e invariável. A maior parte dessas epopeias e poemas estava ligada, de qualquer maneira, ao nome de um poeta lendário; nome que se encontra até hoje nas folhas de rosto das nossas edições da Ilíada e da Odisseia: o nome de Homero.

Nenhum autor clássico alcançou jamais fama tão indiscutida. [...] Homero é o maior dos poetas. Os gregos antigos consentiram, mas por outros motivos; porque nunca – senão nas últimas fases da decadência literária – um poeta grego pensou em imitar Homero. As epopeias homéricas eram consideradas como cânone fixo, ao qual não era lícito acrescentar outras epopeias, de origem mais moderna. A Ilíada e a Odisseia eram usadas, nas escolas gregas, como livros didáticos; não da maneira como nós outros fazemos ler aos meninos algumas grandes obras de poesia para educar-lhes o gosto literário; mas sim da maneira como se aprende de cor um catecismo. Para os antigos, Homero não era uma obra literária, leitura obrigatória dos estudantes e objeto de discussão crítica entre os homens de letras. Na Antiguidade também, assim como nos tempos modernos, Homero era indiscutido: mas não como epopeia, e sim como Bíblia. Era um Código. Versos de Homero serviam para apoiar opiniões literárias, teses filosóficas, sentimentos religiosos, sentenças dos tribunais, moções políticas. Versos de Homero citaram-se nos discursos dos advogados e estadistas, como argumentos irrefutáveis. “Homero”: isto significava a “tradição”, no sentido em que a Igreja Romana emprega a palavra, como norma de interpretação da doutrina e da vida.

[...] Homero fala de tudo o que é humano; inclui na vida humana os deuses, que têm feição nossa, mas também o lado infra-humano e até animal da nossa vida. As fadigas físicas, a comida, o amor nas suas expressões físicas, tudo entra em Homero [...] tudo parece dignificado, nobre, e não pela escolha de eufemismos, mas pelo emprego de adjetivos e comparações estereotipados. A monotonia aparente dessas repetições parece dizer-nos: vejam, a vida humana é sempre assim, é eternamente assim; e esse aspecto das coisas sub specie aeternitatis dignifica tudo, sem desfigurar jamais a verdade. Homero – ou como quer que se tenha chamado o poeta, não importa – consegue o milagre de dar vida verdadeira em fórmulas fixas, em clichês. Não importa se isso é resultado das capacidades inatas de um povo genial ou do trabalho de um gênio poético. Revela a presença de uma grande capacidade de estilização, da mesma que se mostra na composição das duas epopeias.

[...] ‘Homero’ é o próprio mundo grego. Nasceu com a civilização grega: a língua e o metro, o hexâmetro, nascem ao mesmo tempo. Pertencendo a uma época que é, do ponto de vista histórico, uma época primitiva, as epopeias homéricas revelam simultaneamente a existência de uma literatura perfeitamente amadurecida. Não é possível determinar com exatidão a época em que as epopeias homéricas foram redigidas. [...] Não se conseguiu, porém, estabelecer um acordo perfeito entre as análises filológicas e as descobertas arqueológicas. A Ilíada descreve fielmente a época feudal da Grécia, e o conteúdo da Odisseia está em relação íntima com a época fenícia da civilização mediterrânea. Mas não é possível distinguir entre a realidade histórica e o panorama poético. A época mais provável das origens homéricas situa-se entre o século IX e o século VII antes da nossa era. [...] Homero compreende tudo: sol e noite, tragédia e humor, universo grego inteiro, do qual é a bíblia e o cânone ideal. Cânone estético e religioso, pedagógico e político; uma realidade completa, mas não o reflexo imediato de uma realidade. Se Homero só fosse este reflexo, teria perdido toda a importância com a queda da civilização grega. Mas era já, para os gregos, uma imagem ideal; e não desapareceu nunca. O equilíbrio entre realismo e idealidade é o que confere aos poemas homéricos a vida eterna: a bíblia estética, religiosa e política dos gregos podia transformar-se em bíblia literária da civilização ocidental inteira.

[...] A Ilíada está cheia de ruído de batalhas e lutas pessoais. À primeira vista, é difícil distinguir os pormenores; tudo e todos parecem iguais, como nos quadros dos pintores florentinos do século XV, nos quais todas as figuras têm a mesma altura. A análise do enredo patenteia logo uma multiplicidade de episódios em torno dos personagens principais [...]”.


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Eis um resumo da trama de “ÍLÍADA”, pela edição da PENGUIN de 2013:

"O troiano Páris seduziu Helena, a esposa de Menelau, e levou-a para Ílion. Menelau recorreu a seu irmão Agamêmnon, e juntos eles organizaram uma expedição para resgatá-la. A Ilíada transcorre no último ano do sítio dos gregos a Ílion e se inicia com um desentendimento.

Agamêmnon, o comandante da força expedicionária grega, recebeu como butim a filha de um sacerdote local de Apolo. Obrigado a devolvê-la, exige uma substituta. Depois de uma briga furiosa com Aquiles e seu companheiro Pátroclo toma para si Briseida, o espólio de guerra de Aquiles, o que leva este e seu grande amigo Pátroclo a se retirarem da luta. A deusa Tétis, a mãe de Aquiles, arranca de Zeus, o soberano dos deuses, a promessa de que os gregos começarão a ser derrotados, para que Aquiles seja chamado de volta e se desfaça o agravo. Isso causa imediatamente problemas para Zeus com sua esposa Hera, que é favorável aos gregos (Canto I).

Nos Cantos II-VIII, Homero deixa de lado o desentendimento pontual e apresenta um panorama mais amplo: os combatentes gregos e troianos na terra e os deuses no Olimpo. Vemos Agamêmnon testar o moral das tropas e fazer um papel vexatório (II); o troiano Páris derrotado em um duelo com Menelau, mas sendo salvo por sua deusa padroeira Afrodite (III); as deusas mais hostis a Troia, Hera e Atena, fazendo com que a luta recomece (IV); o herói grego Diomedes vencendo os troianos e até ferindo Afrodite e o deus da guerra Ares (V); Heitor, o maior guerreiro de Troia, em uma conversa comovente com a esposa Andrômaca e o filho (VI); Heitor travando um duelo que não chega ao fim com Álax e os gregos construindo uma muralha e um fosso para defender suas naus (VII); e Zeus favorecendo os troia­nos, que obrigam os gregos a recuar de suas novas defesas e a passar a noite acampados na planície (VIII).

Agamêmnon agora reconhece que fez mal em insultar Aquiles e aceita enviar uma compensação substancial para obter seu retorno. Ulisses, Fênix e Ájax lideram a delegação, mas, para seu assombro, Aquiles os repele. É quando começa a sua tragédia. (Canto IX).

Nos Cantos X-XV, Homero prepara as bases para a entrada em combate de Pátroclo, o companheiro inseparável de Aquiles. Em uma expedição noturna, Diomedes e Ulisses invadem o território troiano e roubam os famosos cavalos de Reso (X); Agamêmnon consegue uma breve façanha solitária, mas os gregos são obrigados a retroceder. Aquiles manda Pátroclo averiguar o que está acontecendo, e o velho e sábio Nestor sugere a este que, se Aquiles não voltar a combater, ele, Pátroclo, o faça vestindo a armadura do amigo (XI). Entrementes, os troianos intensificam o ataque contra as defesas gregas. Parte da muralha é destruída; Heitor põe abaixo o portão e os troianos entram precipitadamente (XII). Supondo que a vitória dos troianos está encaminhada, Zeus se distrai com outros assuntos, e Posêidon aproveita a oportunidade para auxiliar os gregos (XIII). Hera faz amor com Zeus para distraí-lo. Os troianos são derrotados (XIV). Zeus acorda e, enfurecido, ameaça os deuses com violência se voltarem a interferir. Posêidon recua, Apolo destrói as defesas adversárias e Heitor conduz os troianos até as embarcações gregas (XV).

Pátroclo volta para junto de Aquiles e repete a sugestão de Nestor para que entre em combate com sua armadura. Aquiles concorda (fatalmente). Em uma grande façanha individual, Pátroclo obriga os troianos a retrocederem, mas é despido da armadura por Apolo e morto por Heitor (Canto XVI). Irrompe uma feroz batalha pelo corpo de Pátroclo, e Hetor veste a armadura deste (na verdade, de Aquiles). Os gregos se retiram com o corpo de Pátroclo (Canto XVII). Informado da morte do amigo querido, Aquiles assume toda a culpa e anuncia que vai se vingar de Heitor. Tétis avisa-o de que morrerá logo depois, e Aquiles aceita o preço. Eis a sua tragédia. Hefesto faz uma armadura nova para Aquiles, inclusive seu célebre escudo (Canto XVIII).

Agamêmnon e Aquiles se reconciliam, e os presentes são entregues ao guerreiro, que agora tem urgência de se vingar (Canto XIX). Avança com tanto ímpeto que Posêidon é obrigado a salvar Eneias de sua fúria, e Apolo aconselha Heitor a buscar abrigo (Canto XX). O rio Xanto, também ele uma divindade, tenta afogar Aquiles, que bloqueou seus canais com os cadáveres; até os deuses se põem a combater entre si (Canto XXI).

Aquiles isola e mata Heitor. Contrariando os costumes, fica com o cadáver e o mutila (Canto XXII). Pátroclo é cremado, e Aquiles organiza os jogos fúnebres (Canto XXIII). Ainda incapaz de aceitar os fatos, arrasta o corpo de Heitor inutilmente ao redor da tumba de Pátroclo. Os deuses concordam que Aquiles foi longe demais e fazem com que o pai de Heitor, Príamo, rei de Troia, vá suplicar a devolução do cadáver. No encontro noturno no alojamento de Aquiles, o velho Príamo é bem-sucedido (Canto XXIV). Aqui termina a Ilíada, mas Homero nos deixa com uma ideia clara do que sucederá num futuro próximo: a morte de Aquiles e a destruição de Ílion".

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Os arquivos de texto e áudio a respeito desta leitura (apostila, cantos e a própria leitura feita em sala) encontram-se disponíveis na pasta de arquivos online através do seguinte link:

https://www.dropbox.com/sh/hof3pspt84xysp4/AACWFYvY7-ujzcCImTYk1e0Oa?dl=0

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