Otto Maria CARPEAUX nos diz o seguinte:
“A
literatura grega, tão variada com
respeito aos metros da versificação, estilos de expressão, gêneros e
temperamentos, parece um pouco monótona quanto aos assuntos. Muitas
vezes voltam nas peças teatrais os mesmos enredos, a poesia celebra sempre os mesmos
ideais, os prosadores sempre se apóiam nas mesmas citações. A base
da literatura grega continua, durante os séculos, sempre a mesma, e essa base é
um ciclo de poesias épicas que constituem um cânone tradicional e invariável.
A maior parte dessas epopeias e poemas estava ligada, de qualquer maneira, ao
nome de um poeta lendário; nome que se encontra até hoje nas folhas de
rosto das nossas edições da Ilíada e
da Odisseia: o nome de Homero.
Nenhum autor clássico alcançou
jamais fama tão indiscutida. [...] Homero é o maior dos poetas. Os
gregos antigos consentiram, mas por outros motivos; porque nunca – senão nas
últimas fases da decadência literária – um poeta grego pensou em imitar Homero.
As epopeias homéricas eram consideradas como cânone fixo, ao qual não era
lícito acrescentar outras epopeias, de origem mais moderna. A Ilíada e a Odisseia eram usadas, nas escolas gregas, como livros didáticos;
não da maneira como nós outros fazemos ler aos meninos algumas grandes obras de
poesia para educar-lhes o gosto literário; mas sim da maneira como se aprende
de cor um catecismo. Para os antigos, Homero não era uma obra literária,
leitura obrigatória dos estudantes e objeto de discussão crítica entre os
homens de letras. Na Antiguidade também, assim como nos tempos modernos, Homero
era indiscutido: mas não como epopeia, e sim como Bíblia. Era um Código.
Versos de Homero serviam para apoiar opiniões literárias, teses filosóficas,
sentimentos religiosos, sentenças dos tribunais, moções políticas. Versos de
Homero citaram-se nos discursos dos advogados e estadistas, como argumentos
irrefutáveis. “Homero”: isto significava a “tradição”, no sentido em que a
Igreja Romana emprega a palavra, como norma de interpretação da doutrina e da
vida.
[...] Homero fala de tudo o que é
humano; inclui na vida humana os deuses, que têm feição nossa, mas também o
lado infra-humano e até animal da nossa vida. As fadigas físicas, a comida, o
amor nas suas expressões físicas, tudo entra em Homero [...] tudo parece
dignificado, nobre, e não pela escolha de eufemismos, mas pelo emprego de
adjetivos e comparações estereotipados. A monotonia aparente dessas repetições
parece dizer-nos: vejam, a vida humana é sempre assim, é eternamente assim;
e esse aspecto das coisas sub specie
aeternitatis dignifica tudo, sem desfigurar jamais a verdade. Homero – ou
como quer que se tenha chamado o poeta, não importa – consegue o milagre de
dar vida verdadeira em fórmulas fixas, em clichês. Não importa se isso é
resultado das capacidades inatas de um povo genial ou do trabalho de um gênio
poético. Revela a presença de uma grande capacidade de estilização, da mesma
que se mostra na composição das duas epopeias.
[...] ‘Homero’ é o próprio mundo
grego. Nasceu com a civilização grega: a língua e o metro, o hexâmetro, nascem
ao mesmo tempo. Pertencendo a uma época que é, do ponto de vista histórico, uma
época primitiva, as epopeias homéricas revelam simultaneamente a existência de
uma literatura perfeitamente amadurecida. Não é possível determinar com
exatidão a época em que as epopeias homéricas foram redigidas. [...] Não se
conseguiu, porém, estabelecer um acordo perfeito entre as análises filológicas
e as descobertas arqueológicas. A Ilíada
descreve fielmente a época feudal da Grécia, e o conteúdo da Odisseia está em relação íntima com a
época fenícia da civilização mediterrânea. Mas não é possível distinguir entre
a realidade histórica e o panorama poético. A época mais provável das
origens homéricas situa-se entre o século IX e o século VII antes da nossa era.
[...] Homero compreende tudo: sol e noite, tragédia e humor, universo grego
inteiro, do qual é a bíblia e o cânone ideal. Cânone estético e religioso,
pedagógico e político; uma realidade completa, mas não o reflexo imediato de
uma realidade. Se Homero só fosse este reflexo, teria perdido toda a
importância com a queda da civilização grega. Mas era já, para os gregos, uma
imagem ideal; e não desapareceu nunca. O equilíbrio entre realismo e idealidade
é o que confere aos poemas homéricos a vida eterna: a bíblia estética,
religiosa e política dos gregos podia transformar-se em bíblia literária da
civilização ocidental inteira.
[...] A Ilíada está cheia de
ruído de batalhas e lutas pessoais. À primeira vista, é difícil distinguir os
pormenores; tudo e todos parecem iguais, como nos quadros dos pintores
florentinos do século XV, nos quais todas as figuras têm a mesma altura. A
análise do enredo patenteia logo uma multiplicidade de episódios em torno dos
personagens principais [...]”.
Eis um resumo da trama de “ÍLÍADA”, pela edição da PENGUIN de 2013:
"O troiano Páris
seduziu Helena, a esposa de Menelau, e levou-a para Ílion. Menelau recorreu a
seu irmão Agamêmnon, e juntos eles organizaram uma expedição para resgatá-la. A
Ilíada transcorre no último ano do
sítio dos gregos a Ílion e se inicia com um desentendimento.
Agamêmnon, o comandante da força expedicionária grega, recebeu como
butim a filha de um sacerdote local de Apolo. Obrigado a devolvê-la, exige uma
substituta. Depois de uma briga furiosa com Aquiles e seu companheiro Pátroclo
toma para si Briseida, o espólio de guerra de Aquiles, o que leva este e seu
grande amigo Pátroclo a se retirarem da luta. A deusa Tétis, a mãe de Aquiles,
arranca de Zeus, o soberano dos deuses, a promessa de que os gregos começarão a
ser derrotados, para que Aquiles seja chamado de volta e se desfaça o agravo.
Isso causa imediatamente problemas para Zeus com sua esposa Hera, que é
favorável aos gregos (Canto I).
Nos Cantos II-VIII, Homero deixa de lado o desentendimento pontual e
apresenta um panorama mais amplo: os combatentes gregos e troianos na terra e
os deuses no Olimpo. Vemos Agamêmnon testar o moral das tropas e fazer um papel
vexatório (II); o troiano Páris derrotado em um duelo com Menelau, mas sendo
salvo por sua deusa padroeira Afrodite (III); as deusas mais hostis a Troia,
Hera e Atena, fazendo com que a luta recomece (IV); o herói grego Diomedes
vencendo os troianos e até ferindo Afrodite e o deus da guerra Ares (V);
Heitor, o maior guerreiro de Troia, em uma conversa comovente com a esposa
Andrômaca e o filho (VI); Heitor travando um duelo que não chega ao fim com
Álax e os gregos construindo uma muralha e um fosso para defender suas naus
(VII); e Zeus favorecendo os troianos, que obrigam os gregos a recuar de suas
novas defesas e a passar a noite acampados na planície (VIII).
Agamêmnon agora reconhece que fez mal em insultar Aquiles e aceita
enviar uma compensação substancial para obter seu retorno. Ulisses, Fênix e
Ájax lideram a delegação, mas, para seu assombro, Aquiles os repele. É quando
começa a sua tragédia. (Canto IX).
Nos Cantos X-XV, Homero prepara as bases para a entrada em combate de
Pátroclo, o companheiro inseparável de Aquiles. Em uma expedição noturna,
Diomedes e Ulisses invadem o território troiano e roubam os famosos cavalos de
Reso (X); Agamêmnon consegue uma breve façanha solitária, mas os gregos são
obrigados a retroceder. Aquiles manda Pátroclo averiguar o que está
acontecendo, e o velho e sábio Nestor sugere a este que, se Aquiles não voltar
a combater, ele, Pátroclo, o faça vestindo a armadura do amigo (XI).
Entrementes, os troianos intensificam o ataque contra as defesas gregas. Parte
da muralha é destruída; Heitor põe abaixo o portão e os troianos entram
precipitadamente (XII). Supondo que a vitória dos troianos está encaminhada,
Zeus se distrai com outros assuntos, e Posêidon aproveita a oportunidade para
auxiliar os gregos (XIII). Hera faz amor com Zeus para distraí-lo. Os troianos
são derrotados (XIV). Zeus acorda e, enfurecido, ameaça os deuses com violência
se voltarem a interferir. Posêidon recua, Apolo destrói as defesas adversárias
e Heitor conduz os troianos até as embarcações gregas (XV).
Pátroclo volta para junto de Aquiles e repete a sugestão de Nestor para
que entre em combate com sua armadura. Aquiles concorda (fatalmente). Em uma
grande façanha individual, Pátroclo obriga os troianos a retrocederem, mas é
despido da armadura por Apolo e morto por Heitor (Canto XVI). Irrompe uma feroz
batalha pelo corpo de Pátroclo, e Hetor veste a armadura deste (na verdade, de
Aquiles). Os gregos se retiram com o corpo de Pátroclo (Canto XVII). Informado
da morte do amigo querido, Aquiles assume toda a culpa e anuncia que vai se
vingar de Heitor. Tétis avisa-o de que morrerá logo depois, e Aquiles aceita o
preço. Eis a sua tragédia. Hefesto faz uma armadura nova para Aquiles,
inclusive seu célebre escudo (Canto XVIII).
Agamêmnon e Aquiles se reconciliam, e os presentes são entregues ao
guerreiro, que agora tem urgência de se vingar (Canto XIX). Avança com tanto
ímpeto que Posêidon é obrigado a salvar Eneias de sua fúria, e Apolo aconselha
Heitor a buscar abrigo (Canto XX). O rio Xanto, também ele uma divindade, tenta
afogar Aquiles, que bloqueou seus canais com os cadáveres; até os deuses se
põem a combater entre si (Canto XXI).
Aquiles isola e mata Heitor. Contrariando os costumes, fica com o
cadáver e o mutila (Canto XXII). Pátroclo é cremado, e Aquiles organiza os jogos
fúnebres (Canto XXIII). Ainda incapaz de aceitar os fatos, arrasta o corpo de
Heitor inutilmente ao redor da tumba de Pátroclo. Os deuses concordam que
Aquiles foi longe demais e fazem com que o pai de Heitor, Príamo, rei de Troia,
vá suplicar a devolução do cadáver. No encontro noturno no alojamento de
Aquiles, o velho Príamo é bem-sucedido (Canto XXIV). Aqui termina a Ilíada, mas Homero nos deixa com uma
ideia clara do que sucederá num futuro próximo: a morte de Aquiles e a
destruição de Ílion".
***
Os arquivos de texto e áudio a respeito desta leitura (apostila, cantos e a própria leitura feita em sala) encontram-se disponíveis na pasta de arquivos online através do seguinte link:
https://www.dropbox.com/sh/hof3pspt84xysp4/AACWFYvY7-ujzcCImTYk1e0Oa?dl=0
Nenhum comentário:
Postar um comentário