sexta-feira, 5 de junho de 2015

O último romano: Boécio. Nona leitura: "A consolação da filosofia"

Sobre Boécio, “o último dos romanos”, CARPEAUX nos diz:

“No Ocidente, o compromisso entre cristianismo e civilização pagã foi concluído pelos inimigos apaixonados dessa civilização: Tertuliano, Ambrósio, Jerônimo, Agostinho, os Padres da Igreja latina. Mas estes já são homens ‘modernos’. O último romano cristão é Boécio.

Mas seria Boécio um cristão? Existem tratados teológicos de sua autoria: De Trinitate, Contra Eutychen et Nestorium, e outros. Mas nas obras mais importantes de Boécio, até na Consolatio Philosophiae, que trata de Deus e do destino humano, não se encontra a mínima alusão ao cristianismo. Boécio é romano pela atitude; pertenceu ao círculo ilustrado em que o poeta Sidônio Apolinário fez versos pitorescos, e em que Cassiodoro, acumulando tesouros de manuscritos na sua vila ‘Vivarium’, preparou os caminhos para a ordem de São Bento. São os monges da civilização pagã, monges do estoicismo. Boécio suportou assim a prisão, na qual escreveu a Consolatio, e a morte pelo carrasco germânico. Cristão, Boécio não o é, a não ser pela confissão dos lábios. Mas já é homem medieval. Com toda a razão, a Idade Média irá escolher os seus tratados sobre geometria e música como base do ensino superior e encontrará nos seus comentários aristotélicos e neoplatônicos o problema escolástico dos ‘Universalia’”.

Sobre sua clássica obra, “A consolação da filosofia”, diz CARPEAUX:

“Na Consolatio Philosophiae, um homem de mentalidade medieval acalma as suas angústias com as respostas da filosofia estoica. São perguntas de um monge medieval – sobre a injustiça no mundo e a Providência divina – mas a resposta é dada pelo aparecimento de uma visão, que se dá a conhecer com a ‘Philosophia’. Por isso, a Consolatio ficou sendo o livro preferido dos espíritos estoicos de todos os tempos, que não se sentiam sujeitos, no foro íntimo, à religião cristã: Boécio era o manual do laicismo entre os heréticos da Provença, entre os humanistas do Quattrocento, entre os eruditos do Barroco, que fugiram das guerras de religião.

Contudo, Boécio não é moderno, nem medieval, nem cristão herético, nem cristão sans phrase. Em face da catástrofe do mundo antigo, um grande cristão, Santo Agostinho, tinha justificado a obra da Providência divina por uma grandiosa filosofia da História, explicando o advento e a queda dos impérios. O romano Boécio não pergunta pelo Império. Está preocupado apenas com a sua própria alma. É individualista, é romano. A Consolatio Philosophiae é um pendant das Meditações de Marco Aurélio, apenas sem medo da morte. Na sua última hora – que foi a última hora de um mundo magnífico e que pereceu incompreensivelmente – Boécio pôde repetir as palavras com as quais o imperador-filósofo terminara livro e vida:

Ó homem, foste cidadão nesta grande cidade, e que importa se passaste aqui cinco anos ou trinta? O que é conforme à lei, não é duro para ninguém. Será tão terrível se a mesma Natureza que te mandou para esta cidade, agora te manda sair? É como se um ator fosse demitido pelo mesmo pretor que o chamou. ‘Mas não representei todos os cinco atos da peça e sim apenas três!’. Bem; mas, na vida, três atos já constituem uma peça completa, pois o fim é determinado por aquele que outro dia iniciou a representação e hoje a termina. Começo e fim não dependem de ti. Então, despede-te com ânimo sereno; ele, que te despede, também é sereno”.


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Na pasta de arquivos online, há um PDF do Livro III de "A consolação da filosofia" em português:
https://www.dropbox.com/home/Grupo%20de%20Estudo%20e%20Leitura%20dos%20Cl%C3%A1ssicos

Um comentário:

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